FIM
DO FLAGELO DE BOTAFOGO, por Helio Ribeiro
1) BACIA HIDROGRÁFICA DE BOTAFOGO
A bacia hidrográfica de
Botafogo é constituída por dois rios principais: o Berquó e o Banana Podre, ambos
com vários afluentes menores.
O
nome Berquó deriva de uma família com origem na Ilha Terceira, pertencente ao
arquipélago dos Açores, no último quartel do século XVII, de lá passando para a
Ilha de Faial, do mesmo arquipélago. Quando da transferência da corte portuguesa para o Brasil, em
1808, alguns membros da família vieram juntos, colocando-se posteriormente a
serviço do Império. Um dos gentis homens dessa família possuía uma chácara no
local onde em 1852 foi inaugurado o Cemitério São João Batista. Ela se chamava
Chácara Berquó, e o rio que a atravessava acabou sendo conhecido pelo nome de
rio Berquó.
Na primeira metade do
século XIX Botafogo já dispunha de vários caminhos, sendo um deles chamado de
Caminho do Berquó, talvez por seguir o curso do rio homônimo. Esse caminho foi
em 1870 renomeado para rua General Polidoro, em homenagem a Polidoro
Quintanilha Fonseca Jordão, que prestou incontáveis serviços ao Império.
O rio Berquó nascia
límpido na atual rua Viúva Lacerda, na encosta do Corcovado, e descia ao longo do
tal Caminho do Berquó até desaguar na enseada de Botafogo, aproximadamente onde
há atualmente a sede náutica do clube Botafogo, com vários pontilhões
destinados à travessia de pedestres.
Já o Banana Podre nasce
nas encostas do maciço do Corcovado e recebe contribuições de rios das ruas
Icatu e do morro Dona Marta. Tinha curso sinuoso e corria pela parte traseira
das casas da rua São Clemente, desviando depois para a esquerda, cruzando a rua
Marquês de Olinda e desaguando na enseada de Botafogo.
Tanto ele quanto o
Berquó eram navegáveis por canoas de reduzido tamanho na época chuvosa, sendo o
Berquó usado como meio de acesso às glebas nas vizinhanças da Lagoa de
Sacopenapã (Rodrigo de Freitas).
O mapa abaixo mostra de
maneira um tanto precária os cursos do Berquó e do Banana Podre. Notem como
havia muitas áreas de charcos, como de resto era comum no Rio de Janeiro de
outrora, inclusive nas áreas centrais.
2) O FLAGELO DAS ENCHENTES
No início do século XIX
a Princesa Carlota Joaquina, esposa de D. João VI, se recusou a morar com o marido
e mandou construir um palacete no início do Caminho Novo de Botafogo (atual rua
Marquês de Abrantes), atraindo a atenção para a região e iniciando a ocupação
efetiva do bairro. Novas ruas foram abertas, a população aumentou, porém na
época das chuvas havia o sério problema das enchentes.
Essas proverbiais
enchentes, que durante decênios frequentemente ocorriam, eram resultado do
transbordamento dos rios Berquó e Banana Podre, que transformavam os precários
caminhos e ruas do bairro em autênticos charcos na época das chuvas, pois recebiam
os afluentes de transversais das atuais ruas General Polidoro, Voluntários da
Pátria, São Clemente e Mena Barreto, além das encostas do Corcovado. A parte
final da rua Marquês de Olinda, por exemplo, ficava isolada quando o Banana
Podre transbordava.
3) PRIMEIRA TENTATIVA DE
SOLUÇÃO
Na gestão Pereira
Passos (1902 – 1906) ambos os rios foram canalizados, passando a correr dentro
de canais subterrâneos de concreto, desaguando na praia de Botafogo, em locais
diferentes. Mas as enchentes não tardaram a voltar, em virtude do grande volume
d’água que fluía para os citados canais, agora aumentado pela ocupação humana
do bairro, que diminuiu a cobertura natural do solo e consequentemente a
capacidade de absorção das águas das chuvas.
4) A SOLUÇÃO DEFINITIVA
Em 1963, durante o
governo Carlos Lacerda, a SURSAN (Superintendência de Urbanização e Saneamento)
resolveu dar fim ao problema das enchentes construindo uma série de grandes
obras no bairro: o rio Berquó e o Banana Podre passariam a correr dentro de galerias
subterrâneas maiores e uma galeria dita de cintura seria construída ao longo da
avenida das Nações Unidas, captando as águas de ambos os rios e as conduzindo a
um ponto de descarga na enseada de Botafogo, próximo à sede náutica do clube
homônimo.
Juntamente com essas
obras gigantescas também foi feita nova linha de esgotos paralela à galeria do
Berquó, conectando-a a uma linha já existente na Praia de Botafogo, perto do
local da antiga estátua do Manequinho, daí sendo levado para uma elevatória e
encaminhado para o interceptor oceânico, para descarga no mar, na altura de
Ipanema.
Eu tive a oportunidade
de trabalhar na companhia vencedora da concorrência para a construção da
galeria do Berquó e da linha de esgotos que a acompanhava. A companhia se
chamava CINCO S.A. – Comércio, Indústria e Construções.
Nos próximos itens
descreverei o desenrolar dessa obra.
5) OS PREPARATIVOS
As
notícias de jornal abaixo avisam e preparam a população para o início das
obras.
6) O PORTE DA OBRA
A notícia abaixo indica
o porte da obra e as medidas da galeria do rio Berquó. São medidas internas.
Não é citada a linha de esgoto que seria construída em paralelo à galeria.
7) AS FASES DA OBRA
O mapa abaixo mostra as
três fases da obra. A CINCO se encarregou da primeira e da segunda fases. A
terceira atrasou bastante, não sendo completada durante o governo Carlos
Lacerda e sim no de Negrão de Lima. O motivo desse atraso era a dificuldade de
atravessar todas as pistas da Praia de Botafogo e da Avenida das Nações Unidas,
não só pelo tráfego como também pela existência de linhas subterrâneas de
esgoto, águas pluviais, eletricidade, gás e até cabos dos Correios.
Em decorrência disso, a
fase três só terminou em 1967.
Eu particularmente não
sei dizer se foi a CINCO a responsável por essa terceira fase, pois nessa época
eu já estava alocado em Belém do Pará.
A primeira fase foi ao
longo da rua Mena Barreto, iniciando na esquina da rua Dezenove de Fevereiro e
terminando na Real Grandeza. Quando ingressei na CINCO os trabalhos se
encontravam nesse estágio inicial, tendo chegado apenas até a esquina da rua
Paulo Barreto.
Ao mesmo tempo
prosseguiam as desapropriações e demolições necessárias ao longo do percurso
até a Praia de Botafogo, dando origem mais tarde à rua Professor Álvaro Rodrigues.
A segunda fase foi
tanto ao longo da rua Visconde Silva quanto da futura Professor Álvaro
Rodrigues, simultaneamente.
A terceira fase foi a
difícil travessia das pistas de tráfego da Praia de Botafogo e Avenida das
Nações Unidas, até atingir a enseada de Botafogo.
8)
AS
DESAPROPRIAÇÕES
Para as duas galerias
(águas pluviais e esgoto sanitário) prosseguirem até a Praia de Botafogo,
fez-se necessário desapropriar e demolir várias construções nesse caminho,
tanto comerciais como residenciais. A notícia abaixo retrata isso.
Até mesmo um hospital
de bonecas, situado no número 30 da rua da Passagem, foi desapropriado.
Os moradores se
conformavam com o fato, em prol do bem do bairro, mas estavam preocupados
quanto para onde ir.
Carlos Lacerda, ao ler
a notícia da desapropriação do hospital de bonecas, marcou um encontro com o
dono, Sr. Adelino Fernandes de Paula, e disponibilizou para ele um próprio
estadual para instalação do hospital, pagando o mesmo aluguel. Por acaso o Sr.
Adelino já tinha consertado bonecas a pedido do Carlos Lacerda e disse que dali
em diante o faria de graça para ele.
9) ANDAMENTO DAS OBRAS
Os anúncios abaixo se
referem a contratação de mão de obra especializada. Aqui estão
colocados para servir de gancho a comentários que farei pós-publicação desta
matéria no SDR.
A foto abaixo mostra um
momento de concretagem da laje da galeria de águas pluviais, em local que não
consigo identificar. Observem a malha de ferragem usada na galeria. O armador
era o Amado (ou seria Amaro?), um senhor com pinta de italiano, baixotinho e
gordinho, mas excelente profissional.
Observem que toda a largura da rua era ocupada pelas escavações.
OBS: A palavra “armador”
tem vários significados. No contexto das obras aqui descritas, armador é o
profissional que faz a malha de ferragem para uma construção. Em São Paulo esse
tipo de profissional é chamado de ferreiro, pois lá armador é quem decora
câmaras mortuárias ou realiza funerais.
10) CONCLUSÃO DAS FASES 1 E 2
No dia 28/09/1965 essas
fases foram dadas por encerradas. Autoridades estaduais fizeram visita ao
canteiro de obras e houve solenidades. Lembrando que ainda faltava a fase 3, já
citada antes.
A foto abaixo mostra a galeria de águas pluviais, no seu trecho de maiores dimensões. A largura interna era de 5,50m e a
externa era 6,20m. A altura interna na linha d’água era de 1,85m mas externamente
do topo à base era de 2,50m.
Infelizmente só
localizei um jornal na Biblioteca Nacional que reproduziu a foto, e a qualidade
dela é muito ruim. Mas antes isso do que nada.
O Aero-Willys e o
Dauphine eram do engenheiro-chefe da obra, doutor Benjamim, paulista da cidade
de Ipauçu. A Kombi e o fusca eram da companhia.
Se bem me lembro, houve
um ensaio antes, no qual a Kombi também estava dentro da galeria, não me lembro
se com o Dauphine ou com o fusca. Não havia carros na laje. Mas ficou muito
apertado.
Essa foto foi tirada
bem antes do término das obras mas foi reservada para só ser divulgada ao fim
dos trabalhos.
Abaixo a parte inferior
do mesmo anúncio em que foi veiculada a foto anterior.
11) A INAUGURAÇÃO
A
foto abaixo mostra o anúncio da inauguração da nova rua Mena Barreto, embora
posteriormente a parte dela que foi estendida fosse renomeada para Professor
Álvaro Rodrigues.
Flexa
Ribeiro, candidato a sucessor de Carlos Lacerda, manifestou sua alegria com a
inauguração da obra.
12) O PÓS-OBRA
Conforme citei antes, a
fase 3 demorou a ser concluída e não sei se o foi pela CINCO, pois estive
alocado em vários canteiros após 1965, como em Copacabana, Maria da Graça,
Higienópolis, Largo do Tanque, Fundão, Largo do Bicão, Rio Comprido, Recife, Acari,
Belém, Honório Gurgel.
E foi em Honório
Gurgel, no dia 28/02/1970, que recebemos a triste notícia da falência da
companhia.
Escrevendo estas
linhas, até me emociono e entristeço. A CINCO foi meu primeiro emprego e o
único em que me senti útil para as pessoas. Foram seis anos e nove meses na
empresa. Comecei aos 17 anos, saí aos 23.
Daquele dia em diante
passei por várias empresas e cargos, porém não sinto que fiz nada promovedor de
melhoria de vida para as pessoas. Há profissões em que você propicia isso a
elas; em outras, fica neutro; e em outras mais, as prejudica.
Trabalhei quase 44 anos
em Informática. É uma área que tende a facilitar a vida das pessoas, mas não a
melhorar a vida delas. E dependendo do caso, só serve para complicar as coisas.
Por hoje é só.
*** FIM DA POSTAGEM ***
ADENDO DO GMA: Bacia hidrográfica de Botafogo