Os domingos em Petrópolis
começavam cedo. Geralmente fazia frio. Soltávamos fumaça pela boca. O gramado
parecia que tinha acabado de ser regado. Os vidros dos carros, totalmente
embaçados. Um cheirinho gostoso de mato. Caídas embaixo do pinheiro, dezenas de
frutinhas secas, marrons, que estalavam ao serem pisadas. O sol demorava a
esquentar.
Torcíamos para que estivéssemos
um pouco atrasados, para termos que ir de carro até a estação. O trem, com o
jornal, chegava perto das oito horas. Se havia tempo íamos a pé, com o “velho”.
Parecia-nos muito longe: sair da Rua Padre
Siqueira pela direita, dobrar na 13 de Maio, passar em frente da padaria.
Cruzar diante da Catedral, já aberta para a missa das oito e meia. Percorrer
toda a rua da Imperatriz, passando em frente do chafariz da águia e da cobra. Depois,
toda a calçada do Museu Imperial, já com charretes estacionadas e o trenzinho
patrocinado pela Faraco Loterias, até chegar na Avenida XV. Aí já estávamos
quase lá. Entrávamos pela rua Paulo Barbosa, a do cinema Esperanto.
Se o trem ainda não tivesse
chegado, subíamos a passarela para pedestres que cruzava a linha do trem, ali
bem perto do cinema, para esperar. E ali vinha ele: uma enorme coluna de fumaça
preta aparecia no céu, anunciando a chegada. Quase sempre um apito, antes da
última curva. Quando passava sob a passarela tínhamos que prender a respiração.
E fechar os olhos para nenhum cisco entrar. A nuvem de fumaça nos envolvia.
Ficava no ar aquele cheiro característico de óleo queimado.
A locomotiva preta, enorme, os
vagões marrons, com bancos de madeira. O chacoalhar das rodas. O ruído dos
freios. E, finalmente, o trem parava. Começava o desembarque. Nos domingos,
naquele horário, o movimento de passageiros era muito pequeno. Havia mais
desembarque de carga. Para nós, o
mais importante eram os jornais. Disputávamos os quadrinhos com as aventuras de
Buck Jones, Flash Gordon, Big Ben Bolt, Nick Holmes, Tarzan, Mandrake,
Fantasma, Super-Homem, personagens de Walt Disney. E Batman, Gaby Hayes. Era o suplemento era colorido! Às
vezes, talvez para evitar brigas, papai nos deixava comprar umas revistas
(Cavaleiro Negro, Don Chicote, Capitão Marvel). Havia uma banca bem dentro da
estação.
Comprado o jornal, era justo o
tempo para voltar e pegar a missa de oito e meia na Catedral. Bonita a Catedral.
E imponente, com pé direito altíssimo. O “velho” não ia. O sermão era demorado,
chato. Ficávamos pensando no que fazer depois, quando acabasse a missa. Às
vezes, mais raramente, assistíamos à missa das 10 horas, na igreja do Sagrado
Coração, ali para os lados da Montecaseros. Com os Canarinhos de Petrópolis.
Era solene, mais demorada ainda.
Depois, ir para o rinque
Marowill, na Praça da Liberdade. Ali alternavam-se, domingo sim, domingo não, o
hóquei sobre patins e o futebol de salão. Preferia o hóquei. O goleiro todo
protegido, com máscara, caneleiras altas, bem acima dos joelhos, uma couraça no
peito. Pouco podia fazer frente à habilidade dos atacantes. O futebol de salão
era menos interessante. Ou então alugar cavalos para uma volta na praça ou,
mais caro, para ir até a Catedral e voltar. Os cavalos preferidos chamavam-se
Cambaxirra e Montenegro. Além de bonitos tinham selas caprichadas. Se não
alugássemos cavalos íamos alugar bicicletas numa lojinha perto da Fábrica da
Bohemia, para andar no Palácio de Cristal ou descer pela parte de terra da
União Indústria até o Matadouro.
Almoçávamos sempre antes dos
adultos. Muitas vezes, por isso, escapávamos dos legumes e do creme de abacate
que o “velho” queria que comêssemos. Logo depois do almoço, cedo como sempre,
se havia jogo importante do Flamengo, os adultos tomavam o carro e desciam a
serra para o Maracanã. Ficávamos ouvindo a Rádio Continental, com Waldir
Amaral, Carlos Marcondes, Clovis Filho, Benjamin Wright, Avelino Dias, Teixeira
Heizer. Às vezes a Rádio Nacional com Oduvaldo Cozzi, com Jorge Curi, com
Doalcei Camargo. Às vezes ouvíamos o jogo pelos alto-falantes da Praça do
D´Angelo. Meu irmão ouvia as transmissões do Jóquei, torcendo por Luís Rigoni
contra Juan Marchant e Bequinho.
À noitinha, ansiosos,
aguardávamos a chegada dos que foram ao jogo para nos contar que o Maracanã
estava cheíssimo, que havia gente sentada de lado na arquibancada, entre os
degraus, que o gol do Dida fora sensacional, que o juiz realmente tinha
roubado, que fora impedimento.
E o lanche. Domingo era o
único dia em que podíamos tomar refrigerantes. Guaraná Antarctica. Quando
estava em falta, um guaraná de Petrópolis. Muito ruim. E sanduíche de carne
assada, com molho. TV não tínhamos. Acabávamos do dia brincando na varanda ou jogando botão na mesa de jantar.
E logo éramos mandados
para a cama, ainda excitados, já esperando o próximo domingo!
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Ei, esta foi minha infância e adolescência.
ResponderExcluirBelo texto.
Vc lembra do cheiro do Piabanha quando a Bohemia despejava os dejetos? E do ruço frequente em Petrópolis? Não se via nada dez metros à frente.
E os caramelos do D’ Ângelo?
Petrópolis está entre minhas primeiras lembranças, pois desde muito cedo ia para o sítio da família de meu pai em Pedro do Rio, quarto distrito daquele município, que ficava do outro lado do rio Piabanha, às margens da antiga União Indústria. A curiosidade é que a casa ficava a dez metros da linha da Leopoldina que cortava o terreno e quando o trem passava parecia que era dentro de casa. Os trens vindos de Petrópolis iam em direção a Minas Gerais mas também havia uma "linha suburbana" entre Areal e Petrópolis. Costumava ir com meus pais ao centro da cidade, cuja maioria dos prédios continua ainda de pé, já que o centro da cidade pouco mudou. O tráfego naquela linha começou a ficar incerto em 1963, já que era intenção do governo erradicar o ramal. Grande parte do fluxo ferroviário para Minas Gerais foi desviado para a E.Ferro Rio D'Ouro cujo leito foi "alugado" para esse fim. Em 17/02/64 em um grave acidente entre o Alto da Serra e Vila Inhomirim, o descarrilamento de um trem causou a morte de algumas pessoas e ferimentos em um número incerto. O fato é que em Maio de 64 o trem só chegava até Areal, em Junho deixou de ir até a estação do centro de Petrópolis, já que o trem só chegava até a estação do Alto da Serra, no final da Rua Teresa. Por fim em Novembro daquele ano o trem subiu a serra pela última vez.
ResponderExcluirTriste fim e o monopólio do ônibus impera.
ExcluirBelo e saudoso relato.
ResponderExcluirApesar de carioca passei parte da infância em Petrópolis depois já adulto e casado moramos lá perto do Cremerie. Realmente muita saudade de um tempo que já não existe mais. Petrópolis também foi abandonada.
Petrópolis não é mais a mesma. A fusão, a explosão de favelas na baixada fluminense e na própria cidade imperial, e as quadrilhas "narcoeleitorais" existentes no Estado, são os principais fatores dessa mudança. Até o final dos anos 90 eu gostava de ir à Petrópolis pela velha Serra da Estrela, via Vila Inhomirim. Hoje não faria isso nem em pensamento. Trafegar pela Linha Vermelha ou pela Avenida Brasil é para quem tem coragem e nervos de aço. Até pouco tempo atrás tive uma namorada que mora lá e quase nunca eu ia vê-la, pois era ela quem descia em alguns finais de semana. Os arrastões na Washington Luís são freqüentes e qualquer engarrafamento é motivo para pânico. O Brasil se assemelha a uma republiqueta africana e temos versões modernas da Unita e do Mpla atuando livremente. Mas quando 90% dos políticos envolvidos em falcatruas ou comandando organizações criminosas, inclusive o tráfico de drogas, com m judiciário cooptado e aparelhado pela esquerda, e com uma legislação própria para países escandinavos vigendo em um país de "neanderthalensis", poderia ser de outra forma?
ResponderExcluirTenho muitas saudades desta casa. Nas chuvaradas do final do verão de 1966, quando felizmente já haviam acabado as férias e já tínhamos voltado para o Rio, caiu uma barreira que destruiu a metade dos fundos. Meu avô resolveu então vendê-la.
ResponderExcluirAinda existe a frente mas o interior está totalmente descaracterizado. O gramado e o belo jardim foram cimentados. O campinho de futebol também. Há alguns anos passei por lá e o dono do empreendimento comercial, ao me ver olhando, perguntou a razão. Disse que eu passava as férias ali quando criança. Gentilmente convidou-me a entrar. Não fui além do que vi do portão. Preferi ficar com minhas lembranças.
Passei muitos fins de semana na Avenida Piabanha, em uma casa muito parecida com esta. Varandão na frente, dois andares e morro atrás. Nesse morro, meus amigos de lá tinham escavado rodovias muito semelhantes à estrada Rio-Petrópolis e faziam seus Dinky Toys andarem naquele barro sempre húmido. Eu não tinha nenhum e, embora tivesse muitos automóveis de brinquedo, nenhum era Dinky. Não participava de igual para igual.
ResponderExcluirPetrópolis era fim-de-semana, um sonho, caramelos, amanteigados, frio. Diziam que eu voltava com as bochechas rosadas, devia ser de alegria.
O ruço era uma temeridade, mas sempre se dava um jeito. Hoje, não vejo mais beleza, só sobrou a Avenida Koeller.
Boa tarde ! Bela postagem. Me fez lembrar muito dos meus tempos de infância, quando fazia passeios, com a família, para lá. Nunca tivemos casa em Petrópolis e só, de quando em vez, íamos até lá ou para mostrar a cidade imperial para algum parente vindo do sul (Pôrto Alegre, terra de meu pai) ou, apenas, para fazer um passeio de domingo, já que, naquela época, o fim de semana era de sábado inglês, no qual meu pai trabalhava até a hora do almôço, só chegando em casa lá pelas 14hs..
ResponderExcluirEssa inolvidável narração do Dr.D. me trouxe muitas lembranças boas daquela época e, para apreciá-la ainda mais, fui acompanhando sua narração através do Google Maps, seguindo o itinerário descrito. Simplesmente "estupendo" o passeio virtual que acabei de fazer...
FF. Hoje O Globo passou da conta! A foto da primera página onde supostamente aparece a "multidão" que compareceu à manifestação anti-Bolsonaro é uma fraude! Foi constatado que aparece o prédio anexo ao Teatro Municipal incendiado e demolido no início de 2012! A verdadeira "multidão" que compareceu foi na verdade ínfima! Isso prova que a Esquerda e a Globo estão juntas. Contra fatos não há argumentos! Basta olhara foto da capa de O Globo de hoje e verão o "prédio fantasma"...
ResponderExcluirSe a extrema-direita considera esquerdista a "social democracia" de FHC, Alckmin & Cia...
ExcluirNão acredito que as manifestações citadas vão aumentar a rejeição acima da margem de erro das pesquisas.
E os bolsonaristas colocaram a foto da manifestação pró Bozo em Copacabana correspondente à vinda do Papa. Vários enviaram-me isso.
ExcluirO Globo está correto. O edifício Capital não caiu junto com o Liberdade e o Colombo em 2011. Está lá até hoje.
ResponderExcluirExato. Basta ver no GSV
ExcluirA mula empacada insiste em tentar impor sua ilusão em vez da realidade. Insiste até no "Rio que passou" em uma foto no máximo de 1968...
ResponderExcluirDizem que "política e religião não se discute" e isso é um fato. Afinal daqui a uma semana as rotinas de cada um permanecerão quase inalteradas. O proselitismo não é o meu forte, pois acho que todos tem o direito de escolher o caminho filosófico que mais lhe aprouver. Tenho visto "aberrações e excrescências" políticas que no meu entender seriam obrigatórias em uma prisão, uma favela, ou um hospital psiquiátrico, mas que são apreciadas e idolatradas por outros. Isso é observado em uma democracia, ainda que quem defenda esse tipo de pessoas e comportamentos inerentes às mesmas tenham idéias semelhantes. Afinal o habitat de cada um molda o seu padrão comportamental, seja ele observado nas mais variadas e discrepantes realidades, principalmente quando são oprimidas em seu direito de ir e vir, conviver com um desemprego iminente, e uma situação "quase falimentar". Afinal Nelson Rodrigues "tem sempre razão"...
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