As fotos mostram um domingo na praia na Barra da Tijuca nos anos 70.
Um programa sensacional,
aguardado com ansiedade por toda a família, pela fama daquelas praias de mar
aberto, numa região ainda pouco conhecida. Os preparativos se iniciavam na
véspera com consulta à previsão do tempo e o preparo do farnel.
No domingo de manhã nunca
se consegue sair no horário, seja por alguém que dormiu demais, seja porque a
comida não ficou pronta.
Todos, então, se dirigem
para o carro, já com as primeiras discussões das crianças sobre quem vai na
janela, quem vai no meio. Enfim, a partida.
Mal virada a esquina há
que voltar, pois a esposa não tem certeza se desligou o gás ou se apagou as
luzes e fechou as janelas. Tudo estava nos trinques, pode-se partir rumo ao
posto de gasolina para encher o tanque.
A ida foi pela Av.
Niemeyer, onde certamente o trânsito seria tranquilo naquela hora. Começam
então as perguntas, constantemente repetidas: falta muito? Chegando à Barra um
engarrafamento monstruoso. Após quase uma hora para andar poucos quilômetros, a
batalha para se conseguir um local para estacionar. Afinal, uma vaga. Foi tal a
dificuldade que o marido nem se aborrece muito com a extorsão do flanelinha.
Colocado aquele protetor
de sol no para-brisa dianteiro e também no traseiro, todos para a areia. Mal
conseguiram colocar a barraca e as crianças já pararam o sorveteiro, que cobra
três vezes o preço normal. Ainda bem que há comida no isopor, bem como
refrigerantes e cervejas. Pasta de Lassar no nariz, Rayito de Sol pelo resto do
corpo.
Mamãe recomenda aos
pimpolhos muito cuidado, pois as ondas estão fortes. A briga que era pela
janela no carro agora é pela bóia de câmara de ar. Por fim faz-se um sorteio e
quem perdeu nem quer entrar na água e fica emburrado sentado junto à barraca.
A água está gelada, as
ondas fortíssimas, a praia cheia, a esposa leva uma bolada de frescobol,
reclama, mas o marido deixa prá lá ao ver o tamanho dos jogadores.
Voltando para a barraca a
família observa que tinham estendido toalhas quase dentro da barraca deles.
Nova discussão, chega prá lá, chega prá cá, “mal-educado”, “grosso”, “esse
pessoalzinho”, insultos vão e veem.
Por fim a hora de ir
embora. Alguém esqueceu a sandália e a areia queima os pés. O baldinho com água
para lavar os pés chega quase vazio na calçada. Junto do carro, o flanelinha já
desapareceu e um pneu está furado. Palavrões! Troca-se o pneu, entram no carro
cuja temperatura interna está em uns 60º C. Nova briga para ver quem vai na
janela. O pai histérico porque não lavaram os pés nem colocaram toalhas nos
bancos, molhando o estofamento. Como não havia ar-condicionado as janelas são
abertas e um bafo quente entra.
Mal saem da praia a
esposa começa a reclamar do jeito que o marido olhou a vizinha de barraca, a
morena de biquíni mínimo. Começa então a grande discussão do dia, entre marido e
mulher. As crianças, no banco de trás, cansadas e irritadas, se estapeiam. Para
culminar o rádio transmite a derrota do Flamengo.
Por fim chegam em casa e
há um caminhão estacionado na porta da garagem que impede a entrada e nenhuma
vaga na rua.
Um domingo perfeito!
Bom Dia! A descrição acima está perfeita. Por aqui ficou combinado para hoje (pelas quatro gerações, Mãe, Filha, Neta e Bisneta) "queimar uma carne" na beira da piscina. Até já sei a parte que me toca. Mas,daqui a pouco vou sentir uma forte dor de cabeça para poder me livrar de ser o churrasqueiro.
ResponderExcluirImagino que o relato seja na primeira metade dos anos 70, já que na segunda metade não haveria uma ida ao posto de gasolina, fechados aos Domingos por força de imposição devida à crise do petróleo. De onde viria essa família? De Botafogo, Ipanema, Copacabana, Méier, Grajaú, Vila Isabel, ou Ilha do Governador? Quem sabe? Certamente não seria de Madureira, Campinho, Jacarepaguá, CDD, ou cercanias ainda selvagens, pois a direção era a oposta. Não havia tantos flanelinhas e eles eram menos agressivos e mais cordatos. Mas de qualquer forma esse era um programa dominical de difícil digestão...
ResponderExcluirHahahahah. Isso mesmo ! Túnel do tempo! E o carro era um Aero Wyllis!
ResponderExcluirFui algumas vezes à praia da Barra vinte anos antes desse texto.Morávamos na rua Canapó, mais tarde Basileia,na Tijuca.Meu pai tinha um Citroen 48 e subíamos pelo Alto da Boa Vista.Deixávamos o carro na ponte velha,atravessávamos de barco,e depois de um quilómetro de caminhada chegávamos exaustos.Mas não havia engarrafamento.O farnel era obrigatório:Até água era preciso levar.
ResponderExcluirEssa descrição está hilária e perfeita, mas conhecendo o modus vivendi do Luiz como já conheço por todos esses anos de SDR, e sabendo o quanto ele é econômico em palavras, deduzo tratar-se de alguma crônica publicada em jornal ou revista da época. Ri muito.
ResponderExcluirA crônica é minha.
ExcluirDe vez em quando publico algumas clássicas por aqui, como foram as das revistas de quadrinhos, a das baratinhas movidas a pedal das crianças, algumas outras como a sobre a Praça Eugenio Jardim, um domingo em Perópolis, a ida para o Maracanã, a festa de fim de ano na repartição, etc.
Eu particularmente nunca fui fã da Barra, por vários motivos: distância lá de casa, engarrafamentos, flanelinhas e mar forte. Quando ia à praia, preferia Arpoador ou Ipanema na área da Farme de Amoedo, onde eu podia chegar de ônibus. Enquanto morava na Tijuca, pegava o 413 - Muda x Copacabana, o 415 - Usina x Leblon ou o CTC 416 - Usina x Forte. Quando me mudei para o Engenho Novo, a opção era o 455 - Méier x Copacabana, também conhecido como "navio negreiro", por motivos que ignoro.
ResponderExcluirA fama do 455 foi suplantada pela do 484. Afinal é justo que, em tese, todos possam se divertir. Mas não é bem assim. A quantidade de favelas na região do Méier, Lins, Jacarezinho, e Engenho Novo, faz com que uma viagem em certas linhas de ônibus se torne uma aventura perigosa. Assim como o Hélio, ignoro a razão do apelido do 455.
ExcluirQuanto a farnel, nunca. Eu ia sozinho, levando uma toalha, um livro sobre II Guerra Mundial e um rádio de pilha marca Spika e depois um Kobe Kogyo, ambos de minha tia, que muitas vezes ia comigo. Fazia meu montinho de areia para apoiar a cabeça, estendia a toalha, passava protetor labial e me untava com óleo Coppertone, Rayito de Sol ou outro qualquer. De vez em quando tomava um mate ou limonada dos vendedores. Na saída, um sanduíche de banana com queijo do Bob's ou outra lanchonete, e estamos conversados.
ResponderExcluirPassei muitos domingos no final dos 60 num clube muito bonito no Recreio que tinha pista de kart, tenis, futebol, piscina e um gramado onde uma vez desencarrilhei quase todo o carretel da linha 10 que mal dava pra ver a pipa no céu. Será que alguém conhece esse clube?
ResponderExcluirNo texto, quando as crianças perguntam "falta muito?", veio-me à lembrança um fato ocorrido no ano de 2000. Íamos eu, minha esposa e as duas enteadas passar férias em Conceição da Barra, extremo norte do Espírito Santo. Saímos de Vila Isabel bem cedo, e as duas garotas iam dormindo no banco de trás do carro. Quando chegamos na Praça da Bandeira, a mais nova acordou e perguntou: "Falta muito?".
ResponderExcluirJá passei por momentos parecidos só que com tios e nós, os sobrinhos, já adolescentes, numa relação entre todos bem mais pacífica, talvez porque os encontros entre esses parentes eram no máximo 3 vezes por ano.
ResponderExcluirUma diferença é que a praia fica em Mangaratiba e o carro um Dodge Dart com 7 ou 8 pessoas dentro. Por isso não deu outra, 2 pneus furados e, claro, na segunda vez a necessidade da carona de uma alma bondosa para ida e volta ao borracheiro.
Muito boa a crônica! Ri muito.
ResponderExcluirRetrato perfeito de uma época.
Realmente era uma aventura.
Só tenho lembranças do meu pai me levando a praia já com uns 12/14 anos.
E isso era muito raro.
Com a pandemia algumas prefeituras de cidades praianas estão fazendo de tudo para realizar um sonho de muitos anos, bloquear os chamados "turistas de um dia", mais conhecidos como farofeiros.
ResponderExcluirFica a sensação de que turistas de 2 ou mais dias não transmitem vírus.
Certamente não é por serem farofeiros e sim pela grande quantidade deles. Quanto mais gente num mesmo local, maior a probabilidade de contaminação.
ExcluirHoje em dia não dá mais para ir à praia de ônibus. É uma bagunça, uma zona total, com pivetes, bandidos, arruaceiros, bêbados batucando na lataria, xingando passantes, assaltando os passageiros, cantando funks (património cultural carioca, como as milícias e os arrastões), etc. Os ônibus que vêm do Jacarezinho são famosos por esse tipo de caos. Praias a que favelados têm acesso são território de guerra. Por isso deixei de frequentar praias há décadas.
ResponderExcluirLembro uma vez, lá pela primeira metade dos anos 1970, que eu ia num ônibus para a praia e uma garota linda e gostosa entrou, acompanhada, e ela usava um biquini com os pelos pubianos saindo abundantemente pelos dois lados. Um espanto!!
ResponderExcluirO Luiz é um cara muito ético. Se o texto não for dele ele dará o crédito.
ResponderExcluirTexto impecável, digno de publicação. Humor "british". Só tem um problema. Conhecendo a linhagem D', certamente o fato é fruto da excepcional imaginação do Luiz. Duvido que tenha passado "in persona" por esta experiência
A turma daqui da Zona Oeste seguia para a Barra de Guaratiba, ou Sepetiba. A Barra da Tijuca era um imenso areal, como se fosse uma Argélia: terminava o deserto e iniciava o oceano. Alguns malucos iam de bicicleta, via Grota Funda, ou, da turma de Bangu/Realengo que ia pelo Catonho via CDD.
ResponderExcluirEm meados dos 80', passei a ir a praia da Barra no fusquinha do meu pai. Da Vila da Penha até a Praia da Reserva, indo por Madureira, Praça Seca, Jacarepaguá e CDD, havia uns 40 sinais de trânsito, com a maioria deles fechados. Só de sinais, perdia-se uma meia hora. Mais o engarrafamento ali pela Praça Seca até a CDD, mais 40 minutos. Enfim, sair as 10h, chegava-se quase ao meio dia na praia. E só retornava à noite para evitar o tráfego da volta. Depois com a Linha Amarela, caiu pela metade o tempo, dependendo do dia e horário de sair de casa.
ResponderExcluirÓtima crônica com a veracidade e o humor na dose certa, sem exageros.
Mas esse Domingo Perfeito está mais para o Um Dia de Fúria, com Michael Douglas.
Boa essa do "Um dia de fúria"! rsrs
ExcluirSou morador da Barra e vivi bem essa crônica. Acredito que seja bastante atual, ainda. Em um dia de sol como hoje e em tempos de mais interrogações que exclamações, me encontro na paz do meu lar...
ResponderExcluirOlá, Dr. D'.
ResponderExcluirMinhas primeiras aventuras praianas foram no Recreio, mas era muito pequeno para lembrar como chegávamos lá. Provavelmente de ônibus ou caravana de parentes.
Com a inauguração do 701 passei a ir na Alvorada, perto do Alfa Barra. Por incrível que possa parecer depois de me mudar quase nunca mais fui à praia. Nem lembro qual foi a última vez...
Ir à praia morando no subúrbio não era tarefa fácil. Nos anos 70 amigos da região da Domingos Lopes reuniam-se na Praça do Patriarca para em grupo irem à praia da Barra da Tijuca. Eram caminhões de caçamba aberta, Kombis, ou pequenos lotações, onde homens, mulheres, e crianças se acotovelavam para usufruírem das delícias que a praia proporciona. O local preferido era o Recreio dos Bandeirantes, uma área quase deserta. Era muito divertido mas perigoso, pois a maioria não sabia nadar. Depois de comerem bastante galinha frita, farofa, e queijo coalho, mergulhavam na água gelada.
ResponderExcluirNa primeira metade dos anos 70, principalmente na Barra, que era um local ermo e de logística difícil, tenho quase 100% de certeza que ainda não existiam ali os famigerados flanelinhas. O relato está sensacional. Cadê as pranchas de isopor Planonda e/ou Copacabana?
ResponderExcluir