O “post” de hoje
tem texto do prezado Roberto Tumminelli e as duas primeiras fotos foram feitas
pelo bisavô dele, William Nelson Huggins. Trata-se do encalhe do navio San
Martin na Praia de Copacabana, em março de 1918.
No verso de uma
das fotos está escrito: “San Martin stranded at Rio de Janeiro in a dead calm
night, carrying grains to the Allied Armies. Taking with a Graflex at 5 am-
about sunrise – f4.5 1/10sec.(W Nelson Huggins – Rio de Janeiro)”
O San Martin era
um navio argentino que vinha de Buenos Aires e teria como destino final o porto
de Sète (Cette na grafia de 1918) no Mediterrâneo. Levava um carregamento de
milho para as tropas aliadas. Estávamos em fins da 1ª Guerra. O comandante do
navio era o dinamarquês Keneldoin. No fim da madrugada de 18 de março, com mar
calmo, o San Martin encalhou em Copacabana a mais ou menos 20 metros da Av.
Atlântica.
Houve na época
três hipóteses para o acidente:
O Capitão estava
no leme, bêbado, e acabou perdendo o rumo indo parar na praia; o Capitão não
conhecia bem a entrada do porto e confundiu as luzes do Morro da Babilônia com
as do porto; o Capitão recebera uma quantia de milhares de marcos dos alemães
para, propositalmente, encalhar o barco e perder a carga que era destinada aos
aliados.
A segunda
hipótese é a mais aceita. Mas curiosamente minha tia-avó, Edith Huggins, hoje
com 101 anos, filha de William Nelson, contou que o pai sempre falava da
embriaguez do capitão.
Durante dias o
trabalho para a retirada do barco foi contínuo. Os rebocadores da Marinha do
Brasil, “Laurindo Pitta”, “Audaz” e “Tenente Claudio”, e mais os rebocadores da
Cia. Costeira, “Tito Brito” e “Standart” se revezavam na tentativa de
desencalhe do San Martin, mas em vão.
Decidiram então
retirar a carga de milho do navio para deixá-lo mais leve e tentar rebocá-lo na
maré alta. A carga foi retirada (não toda. Muito milho ainda ficou nos porões
do navio). A autoridade policial era responsável pela segurança dela que era
depositada na areia, a pedido do Inspetor alfandegário Vossio Brigido, para
salvaguardar os interesses do Fisco. Essa manobra para desencalhar o navio não
adiantou nada.
O tempo foi
passando, interesses de firmas seguradoras e marítimas em resgatar o navio e
seu conteúdo foram se desenrolando e nada foi sendo feito de concreto. Enquanto
isso o navio continuava encalhado na praia, o milho já apodrecido ia parar nas
areias, levado pelo mar.
Certa vez a
ressaca fortíssima, em maio ou abril, partiu o já fragilizado casco do San
Martin fazendo com que o milho apodrecido, que ainda estava em seus porões, se
espalhasse nas areias, e que o cheiro que estava relativamente “preso” no navio
se espalhasse pelo ar, para desespero dos moradores de Copacabana.
Aí começava o
apelo dos moradores de Copacabana às autoridades. Mas a nossa velha conhecida
atitude dos órgãos públicos apareceu: o jogo de empurra. A Saúde Pública dizia
nada poder fazer porque o navio estava sob a responsabilidade do Ministério da
Marinha, que por sua vez nada podia fazera respeito… e o fedor aumentava a cada
dia.
A “Revista da
Semana”, aproveitou em uma de suas edições para provocar a cia. City
Improvements (que era responsável pela coleta de esgoto do Rio). Com a grafia
original:
“Está de pêsames
a City Improvemnts. A cintura de ouro do campeonato de mao cheiro, que lhe
pertencia indisputadamente, há muitos annos, foi-lhe arrebatada pelo veleiro
San Martin (…) cuja carga apodrecida ao contato da água do mar espalha pela Av.
Atlântica um cheiro nauseabundo. (…) A poderosa empresa ingleza considerava-se
a monopolisadora do fedor no Rio. Ella, só ella, poderia espalhar pela cidade
cheiros pestilenciaes. A concorrência que está lhe fazendo o San Martin, é,
além do mais, illegal. Esse navio á vella não tem o direito de empestar a
cidade. Esse direito cabe, legalmente, á City Improvements (…).”
E assim o tempo
foi passando, o navio cada dia mais destruído pelo mar, pondo em risco os
banhistas com seus destroços presos na areia e os que se soltavam do navio,
como vigias, pedaços de madeira, etc. O jornal “A Noite” foi categórico em uma
matéria que em certa passagem dizia assim: “Houve alvoroço, mas logo foi
cercado da benevolência infinita de nossas autoridades públicas. Simularam
inquéritos, procedimentos judiciaes (grafia da época), etc., e, dentro em pouco
tudo jazia no esquecimento. Ninguém mais se lembrava da “esbórnia” do San
Martin.”.
Em 1919, o que
restou do navio seria dinamitado. Era a única solução. Mas pelo visto não foi…
Os destroços do San Martin permaneceram na arrebentação por muitos anos. Em
fins dos anos 60 a tão sonhada dinamitação do San Martin aconteceu. Durante os
estudos de levantamento topográfico para a duplicação da Atlântica e a
implantação do Interceptor Oceânico (sob o atual canteiro central),
verificou-se que o que restou do San Martin estava bem no caminho do
Interceptor. E assim um dia ele foi dinamitado. Certamente pedaços do que
restou desta explosão estão hoje sob o canteiro central da Av. Atlântica.
Nunca ninguém
foi responsabilizado pelo ocorrido. Nem o capitão, nem a empresa dona do San
Martin, como também nunca foi conclusiva qualquer uma das três hipóteses do
acidente.
PS: às duas
fotos do bisavô do Tumminelli adiciono foto do Correio da Manhã mostrando o
navio sendo dinamitado.
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O San Martin estava na altura da Rua Belford Roxo.
ResponderExcluirOtimo resgate com enredo bem brasileiro.Também fico com a primeira hipótese: o Capitão estava mamado.
ResponderExcluirBom dia a todos. Já havia ouvido falar deste encalhe, porém não sabia detalhes dos acontecimentos. Passado todo este tempo, porém uma coisa não mudou em nossas terras, as apurações de responsabilidades no Brasil, nunca encontram os responsáveis, quando os responsáveis são conhecidos, nunca são punidos.
ResponderExcluirA falta de atuação do poder público sempre é causada pela mesma condição, a propina rola solta para paralisar e impedir as investigações. Nos dias de hoje, temos ainda no STF um palhaço, que só falta pintar a bunda de vermelho para aparecer na mídia, dando entrevistas, concedendo habeas corpus e promulgando sentenças que são contrárias a opinião pública.
O final é bem brasileiro: ninguém foi responsabilizado. E os órgãos competentes adiaram por décadas a solução do problema.
ResponderExcluirE viva o bisavô do Tumminelli.
O gajo confundir as luzes de copa com o porto só podia ter tomado uns gorós mesmo...
ResponderExcluirImpressionante o tempo que o navio ficou ali, encalhado. Já fazia parte da paisagem...
Tia Nalu tem amigo comandante que adora 51.
ResponderExcluirAcho que esse capitão era o famoso Capitão Haddock!
ResponderExcluirAo fundo da terceira foto vê-se o caminhão do Rei da Voz. Não imaginava que já existisse em 1919!
Tia Nalu anda distraída. A terceira foto é dos anos 60.
ExcluirBom Dia! Lendo o relato acima,descobri que naquele navio viajavam as forças ocultas que movem os interesses espalhados pelo mundo.
ResponderExcluirUma história complicada mas totalmente improvável caso acontecesse hoje em dia. Simplesmente a carga seria imediatamente saqueada pelos moradores de rua e pelos moradores das favelas do bairro. Uma ong iria processar o governo pelos "danos ambientais", um deputado iria pedir a abertura de uma CPI, iria extorquir dinheiro da companhia de navegação, um firma seria contratada por um Bilhão de Reais pra retirar os destroços do navio, dividiria o dinheiro com políticos, não executaria o serviço, a justiça seria acionada, e daí por diante. Afinal no Brasil, "os dias são assim".
ResponderExcluirBom dia a todos.
ResponderExcluirO navio, intencionalmente ou não, acabou virando "baixa" de guerra.
Na foto da dinamitação dos restos do navio, uma propaganda "estrategicamente" colocada do "Rei da Voz"...
O comandante quis pôr o veleiro dentro de uma garrafa, mas precisava esvaziá-la antes...
ResponderExcluirJá que estamos em Copacabana,estou sabendo que aquela padaria em frente ao antigo Cirandinha está fechando as portas.Estive lá em junho e não dava mostras de mudanças, mas....Segundo me disseram vai virar....farmácia!!!É a vovozinha do mar!!!!
ResponderExcluirExistem fortes rumores de que as farmácias nada escondem uma imensa lavagem de dinheiro. A quantidade de farmácias em Copacabana aponta que essa afirmação é falsa, já que a soma das idades dos habitantes de Copacabana é igual a do triplo do número de habitantes da China. Por isso são necessárias tantas farmácias.
ExcluirA 686 vai mesmo virar farmácia.
ExcluirSaiu no "Gente Boa" de hoje. Provavelmente vira reportagem no jornal nos próximos dias, já que se trata de zona sul.
ExcluirSe o navio era de bandeira francesa deveria se chamar Saint Martin. Alguém esqueceu de colocar o "t"?
ResponderExcluirA culpa foi minha. Como o texto do Tumminelli era muito grande editei-o e comi mosca. Ele, de fato, começa transcrevendo um texto antigo dele que continha esta informação, mas neste último texto atualizado corrigiu esta informação. Havia um navio de guerra francês com este nome, mas o navio de Copacabana era mesmo argentino. Vou corrigir lá em cima.
ExcluirAgora que o navio é argentino a história está perfeita.
ResponderExcluirBoa tarde a todos.
ResponderExcluirNão conhecia essa história ou então, se já tinha ouvido falar, esqueci completamente.
E como tudo no Brasil acaba em... merda.
Luiz. Já que esse navio ficou de 1918 até por volta de 1968, ou seja, uns 50 anos jogado em Copacabana, sabe se há algum livro retratando de todo o enredo?
Ops! Falha minha. Assumo a preguiça. Li a primeira frase do parágrafo "Em 1919 o que restou do navio seria dinamitado" e parei ali. Como achei estranho um caminhão do Rei da Voz em 1919, publiquei o espantoso comentário.
ResponderExcluirExiste ou existia um naufrágio em condições idênticas na praia Grande em Arraial do Cabo. Nadei no local e cheguei a mergulhar, estava muito raso, bastava um snorkel. As principais partes eram o fundo do casco e a caldeira muito enferrujada. Como já fazem uns 20 anos, não deve sobrar nada hoje.
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