FESTIVAIS INTERNACIONAIS DA CANÇÃO, por Helio Ribeiro
Começando na metade da
década de 1960 e se estendendo por vários anos, virou moda a criação de
festivais da canção, tanto os específicos de emissoras de televisão como os de
autoria particular. A postagem de hoje se restringe às várias edições do FIC
(Festival Internacional da Canção).
O FIC foi idealizado
por Augusto Marzagão, um jornalista, executivo e escritor brasileiro, com
atuação nas áreas política, televisiva e cultural brasileira e mexicana. Foram
sete edições, de 1966 a 1972, sempre no Maracanãzinho. O apresentador oficial
era o Hilton Gomes. A primeira edição foi apresentada pela TV Rio e as demais,
pela TV Globo. O prêmio era o Galo de
Ouro, idealizado por Ziraldo e confeccionado pela H. Stern. O segundo e
terceiro classificados ganhavam o Galo de
Prata e o Galo de Bronze.
O festival tinha uma fase nacional e uma internacional. A vencedora da fase nacional concorria em pé de igualdade com as músicas internacionais. Ao final eram proclamadas as grandes vencedoras da edição do FIC.
PRIMEIRA
EDIÇÃO - 1966
Aconteceu entre os dias
22 e 30 de outubro. Para a fase nacional inscreveram-se 1956 músicas, sendo
classificadas 36. Essa fase foi vencida pela canção Saveiros, de Dori Caymmi e Nelson Motta, interpretada por Nana
Caymmi. Em segundo lugar ficou Cavaleiro,
de Geraldo Vandré e Tuca, interpretada por esta, e em terceiro lugar ficou Dia das Rosas, de Luís Bonfá e Maria
Helena Toledo, cantada por Maysa. A foto abaixo mostra Nana Caymmi comemorando
a vitória.
Para a fase internacional inscreveram-se músicas de 27 países, sendo 14 classificadas, inclusive a brasileira.
A classificação final
foi, do primeiro ao terceiro lugar: Frag
den Wind (Alemanha), Saveiros (Brasil)
e L’amour toujours l’amour (França).
SEGUNDA
EDIÇÃO - 1967
Aconteceu entre os dias
19 e 29 de outubro. Para a fase nacional foram 2700 músicas, sendo classificadas
46. Essa fase foi vencida pela canção Margarida,
de Guttemberg Guarabyra, interpretada por ele e pelo grupo Manifesto. Em
segundo lugar ficou Travessia, de
Milton Nascimento e Fernando Brant, interpretada por Milton Nascimento, e em
terceiro lugar ficou Carolina, de
Chico Buarque, cantada pelas irmãs Cynara e Cybele. A foto abaixo mostra a
torcida da arquibancada pela vencedora Margarida.
Para a fase internacional inscreveram-se 40 músicas de 32 países, sendo 14 classificadas, inclusive a brasileira.
A classificação final
foi: Per una donna (Itália); The world goes on (EUA) e Margarida (Brasil).
TERCEIRA
EDIÇÃO - 1968
Aconteceu entre os dias
12 de setembro e 06 de outubro e se notabilizou pelos protestos contra o regime
militar, tanto nas canções quanto no público presente. A situação política no
país era péssima. Já tinha havido a Passeata
dos Cem Mil por conta da morte do Edson Luís de Lima Souto, em final de
março.
Mais de 6000 músicas
foram inscritas, tendo sido escolhidas 40. A fase nacional foi apresentada uma
parte em São Paulo, no teatro da PUC, e a outra no Maracanãzinho, onde também
ocorreu a fase final.
Vários acontecimentos
fizeram dessa edição do FIC a mais célebre. Vejamos quais.
DISCURSO DE CAETANO
VELOSO
Na fase paulista,
Caetano Veloso foi intensamente vaiado quando cantou com Os Mutantes a música É proibido proibir. Inconformado com as
vaias, Caetano fez um discurso que se tornou célebre, do qual constam os
trechos abaixo:
“Mas é isso que é a juventude que
diz que quer tomar o poder? […] A mesma juventude que vai sempre, sempre, matar
amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! […] Se vocês, em política, forem
como são em estética, estamos feitos!”
GERALDO VANDRÉ E VAIAS
Para a fase nacional
foram classificadas 24 músicas. O anúncio era feito em ordem descendente de
classificação. Em terceiro lugar ficou Andança,
de Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, cantada por Beth
Carvalho e os Golden Boys. Quando foi anunciado que a segunda classificada era Pra não dizer que não falei de flores, de
Geraldo Vandré, interpretada por ele mesmo, as vaias foram ensurdecedoras, já
que o público desejava vê-la como vencedora. Essa música ficou célebre e até
hoje é lembrada. As vaias não cessaram quando foi anunciada a vencedora: Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, interpretada
pelas irmãs Cynara e Cybele. As cantoras mal conseguiam ser ouvidas em meio ao
barulho das vaias.
As fotos abaixo mostram
as torcidas pela música Sabiá e pela de Vandré.
ANTOINE
Esse cantor de
Luxemburgo levou a plateia ao delírio ao cantar em português Jogo de Futebol, em cima da melodia da
música La vie est moche. Alternava a
voz com o toque de uma gaita de boca. Uma parte da letra dizia: “Ai, ai, ai, a
vida é bela / Quer chova, quer faça sol / Ai, ai, ai domingo eu vou ver / Um
bom jogo de futebol. / Flamengo! Flamengo!”. A plateia vibrava e agitava
bandeiras rubronegras. Já quase ao final da música ele tirou o paletó e debaixo
havia uma camisa do Flamengo, número 10. Aí o estádio quase veio abaixo.
O link de sua
apresentação está em https://www.youtube.com/watch?v=MI8F5csbNU0.
Abaixo segue foto do
instante em que ele tira o paletó e mostra a camisa rubronegra.
Para a fase internacional 34 países inscreveram suas músicas.
Sabiá
foi
a grande vencedora dessa edição do FIC. Em segundo lugar veio This crazy world (Canadá) e em terceiro
lugar Maria (EUA).
QUARTA
EDIÇÃO - 1969
Aconteceu entre os dias
25 de setembro e 06 de outubro. O endurecimento do regime, com o Ato
Institucional número 5, inibiu o aparecimento de canções de protesto ou com
conotação política. Foi a primeira edição transmitida via satélite, para oito
países.
A fase nacional foi
vencida pela canção Cantiga por Luciana,
de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, cantada pela Evinha. Em segundo lugar
ficou Juliana, de Antônio Adolfo e
Tibério Gaspar, interpretada por Antônio Adolfo e o conjunto “A Brazuca”, e em
terceiro lugar ficou Visão Geral, de
César Costa Filho, cantada pelo Quarteto 004 e pelo próprio César Costa Filho.
A foto abaixo mostra a torcida da arquibancada pela vencedora Cantiga por Luciana.
A fase internacional foi composta por 19 canções.
A classificação final
foi: Cantiga por Luciana (Brasil); Evie (EUA) e Love is all (Inglaterra).
Houve muitas queixas
quanto à vitória da música brasileira. A opinião geral era que Evie sem dúvida foi a melhor música do
festival. Até mesmo Paulinho Tapajós, autor de Cantiga por Luciana, tinha essa opinião.
A música inglesa Love is all foi
ovacionada delirantemente pela plateia. O cantor Malcolm Roberts, pinta de
galã e com voz possante, foi muito assediado. A letra da música é muito fraca
mas isso foi compensado pela voz do Malcolm, ex-cantor de ópera.
QUINTA EDIÇÃO – 1970
Aconteceu entre os dias
15 e 25 de outubro. Um incêndio ocorrido no Maracanãzinho em março daquele ano
quase impediu a realização do festival. Os ensaios ocorreram inicialmente no
auditório da Rádio Nacional e depois no ginásio ainda em reformas. O evento foi
transmitido em cores para os EUA e Europa.
Para a fase nacional
foram selecionadas 41 músicas. O primeiro lugar foi para BR-3, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, defendida por Tony
Tornado; segundo lugar para O amor é o
meu país, de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, defendida pelo Ivan
Lins; o terceiro lugar ficou para Encouraçado,
de Sueli Costa e Tite de Lemos, interpretada por Fábio. Na foto abaixo,
Tony Tornado comemorando a vitória.
A fase internacional teve participação de 36 países. Vencedoras: primeiro lugar Pedro Nadie (Argentina); segundo lugar The world is mine (Iugoslávia); terceiro lugar BR-3 (Brasil).
SEXTA EDIÇÃO – 1971
Essa edição foi
realizada entre 25 de setembro e 04 de outubro, mas quase não aconteceu. Os
entraves criados pela Censura Federal desestimularam grandes artistas de
inscreverem músicas. Para evitar o fracasso, os organizadores resolveram
classificar automaticamente as canções de compositores famosos, como Capinam,
Baden Powell, Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento e vários outros.
Mesmo assim houve censura de algumas músicas e inúmeros compositores, tanto os
do grupo acima como os demais, desistiram de competir.
Apesar dos problemas, para
a fase nacional foram selecionadas 50 músicas. O primeiro lugar foi para Kyrie, de Paulinho Soares e Marcelo
Silva, defendida pelo Trio Ternura; em segundo lugar Desacato, de Antônio Carlos e Jocafi, que cantaram acompanhados
pelo grupo Brasil Ritmo; em terceiro lugar Dia
de verão, de Eumir Deodato, interpretada por Sílvia Maria. Na foto abaixo, o
Trio Ternura apresentando a canção vencedora.
A fase internacional teve 29 inscritas, inclusive a brasileira, e foi vencida por Y después del amor (México). Em segundo lugar veio Amor no meu pensamento (Paquistão); em terceiro Kyrie (Brasil).
SÉTIMA (e última) EDIÇÃO – 1972
Neste ano o Festival já
estava em franca decadência. Poucos dos grandes nomes inscreveram suas músicas.
Apenas 30 foram classificadas para a seleção final, que começou no dia 16 de
setembro e terminou em 01 de outubro.
O júri era presidido
por Nara Leão, mas como esta fez críticas à situação política do país em
entrevista a um jornal, todo o júri foi destituído e um novo teve de ser
escolhido, formado exclusivamente por estrangeiros.
Na fase nacional, o
resultado foi: primeiro lugar para Fio
Maravilha, de Jorge Bem (na época), cantada por Maria Alcina; segundo lugar
para Diálogo, de Baden Powell e Paulo
César Pinheiro, cantada por Cláudia Regina e Baden. Prêmio especial para Cabeça, de Walter Franco, cantada pelo
próprio.
Na foto, Maria Alcina
cantando a música vencedora da fase nacional.
A fase internacional teve 28 músicas classificadas. A final foi com 12 internacionais e 2 brasileiras.
A confusão foi tão
grande nessa edição que acabou havendo mais de um vencedor: o júri oficial escolheu
Nobody calls me Prophet (EUA); o júri
popular deu a vitória a Aeternum (Itália).
Velvet mornings (Grécia) e Fio Maravilha (Brasil) receberam menção
honrosa. Demis Roussos, quando soube que sua música Velvet mornings havia recebido apenas menção honrosa, abandonou o
local, obrigando os locutores a não citarem seu nome durante a proclamação.
RESUMO
Em todas as edições,
sérios problemas foram observados e nunca corrigidos:
1)
A acústica do Maracanãzinho era péssima.
A plateia não conseguia ouvir direito as músicas.
2) A plateia era muito barulhenta,
prejudicando os cantores. Uma cantora confessou que não conseguia escutar o som
da orquestra que acompanhava a música, e cantava observando os gestos do
maestro.
3) Em certas músicas parte da plateia
vaiava e parte aplaudia, confundindo o cantor, que não sabia se estava ou não
agradando, prejudicando seu emocional.
4) Um cantor se queixou de que no seu país
quando a plateia gostava da música, aplaudia; quando não gostava, ficava em silencio.
Aqui ou era ovação ou vaia ensurdecedoras.
5) Nas edições levadas a cabo pela TV Globo
houve muitas brigas entre seus representantes e o Augusto Marzagão, idealizador
do festival.
6) Nos bastidores era comum haver brigas,
discussões, desorganização, afetando os intérpretes e as pessoas encarregadas
de levar a cabo o festival.
7) Nas últimas edições muitos participantes
chegaram à conclusão de que o festival estava mais para um show do que para
algo sério, e se esmeraram em agradar à plateia em busca de ovação. Isso
afastou os compositores estrangeiros mais sérios.
8) Em todas as edições a música brasileira era premiada entre as três primeiras, gerando dúvidas sobre a imparcialidade do júri, que se nacional usava bairrismo e se internacional parecia querer agradar à plateia.
--------- FIM
DA POSTAGEM ---------