Hoje temos 3 fotos do
curiosíssimo prédio do Elixir Nogueira, na Glória, obra de Virzi, que ficava na
Rua da Glória nº 214. O prédio foi demolido em 1970 após um polêmico
destombamento. Construído em 1916, foi tombado pelo Patrimônio Histórico e
Artístico da Guanabara em 9 de fevereiro de 1966. Inexplicavelmente, porém, o
prédio foi destombado em 19 de dezembro de 1969, por um decreto do então
governador Negrão de Lima, sendo demolido rapidamente ainda no mês de janeiro
de 1970, fato que os jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil chamaram de
demolição-relâmpago.
“No Rio de Janeiro, para
evitar alguma reconsideração por parte do Governo quanto ao destombamento do
prédio do Elixir de Nogueira, na Glória, o proprietário deu ordens para uma
demolição-relâmpago. O resultado é que não se salvaram sequer as estátuas da
fachada do prédio, que o diretor do Patrimônio Histórico e Artístico da
Guanabara queria levar para o Museu de Arquitetura na ilha do Fundão. Assim se
consumou o drástico atentado a um importante marco arquitetônico do Rio do
período art nouveau.” (JB de 14 de janeiro de 1970).
O prédio da fábrica do
famoso Elixir de Nogueira, o “depurativo do sangue contra infecção sifilítica”,
possuía quatro pavimentos, com elevador e um subsolo. O edifício apresentava um
formato híbrido, possuindo uma estrutura cilíndrica nos dois primeiros andares,
que se tornava retangular a partir dos dois pisos mais altos. Foi uma obra inovadora
e ousada, que misturava concreto armado com estrutura metálica. Se o próprio
desenho incomum do prédio já causava bastante estranheza, as suas esculturas
decorativas externas, de grande impacto visual, eram consideradas por muitos
como assustadoras e sinistras. No nível da calçada, a fachada possuía um
conjunto escultórico bastante elaborado, que adornava as vitrines e entradas do
prédio causando grande dramaticidade cênica ao imóvel. O conjunto de esculturas
do térreo reunia imagens de homens, mulheres, crianças e diversos animais, além
de haver outras esculturas mais simples nos andares superiores, incluindo
gárgulas no topo do prédio.
O poeta Carlos Drummond
de Andrade comoveu-se com esta arquitetura de sonho, ou pesadelo, segundo ele,
e carpiu a sua morte, despedindo-se do edifício em uma coluna publicada no JB:
“O horror da imagem
compensava-se até certo ponto pela arquitetura plantada a cavaleiro do mar, no
centro do Rio: uma casa feita para filial e depósito da firma de Pelotas, que
produzia o elixir mágico. Ali, o estilo art nouveau, florescente na Europa por
volta de 1900 e decalcado com um espírito brasileiro que às vezes consegue
nacionalizar a cópia introduzindo-lhe uma pitada de tropicália, criou um
composto delirante de volumes, com esculturas se alastrando pela fachada em
meio ao torcicolo geral e colorido de elementos decorativos.
Não se identificava na
obra a marca de um Gaudi, por exemplo, que deixou na Espanha construções
nascidas do sonho (ou do pesadelo) de um arquiteto capaz de inverter e
subverter as leis da matéria, como já se disse. Mas quem passasse em frente
parava e espantava-se. Não tinha por onde fugir: a coisa impunha-se ao
espectador bestificado. Era a mais curiosa, a mais imprevista, a mais
sensacional construção levantada na Guanabara, onde costumava brotar do chão
coisas que vou te contar. [...]
Adeus, edifício do Elixir
de Nogueira. Não és o primeiro marco do passado urbano a quem dedico uma
elegia. Já me chamaram mesmo de carpideira de casas e coisas velhas. [...] O
progresso é às vezes uma espécie de sífilis, que corrói e mata. E contra esta o
remédio de Pelotas, da Viúva Silveira & Filho, não pôde”. (“Adeus Elixir de
Nogueira”, publicado no JB de 17 de janeiro de 1970).
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