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sexta-feira, 29 de março de 2024

SEXTA-FEIRA SANTA NO CINEMA PIRAJÁ


O Cinema Pirajá, foi a primeira grande sala do Grupo Severiano Ribeiro, no Rio de Janeiro. Ficava na Rua Visconde de Pirajá nº 303, em Ipanema e foi inaugurado em 17/09/1936. Chegou a ter 1960 lugares e foi demolido em 1975.

O jornal "Beira-Mar"assim se referiu ao prédio quando de sua inauguração: "O primor da fachada, na sobriedade de suas linhas, a suntuosidade do hall e varandas e o requintado modernismo da sala de projeção formam um admirável conjunto em que, mais uma vez, patenteia-se a boa vontade da empresa Severiano Ribeiro e a competência dos engenheiros da Companhia de Melhoramentos e Construções". 

Frequentei o Pirajá a partir da década de 50, quando ele já era um "poeira" muito querido. Acho que não tinha ar-condicionado, as cadeiras eram de madeira (mas reclinavam um pouco) e dos dois lados da plateia havia portas com venezianas, através das quais entrava a luz do dia na sala de projeção.

Mas seu dia de glória eram as Sextas-Feiras Santas, quando exibia o filme "Vida e Paixão de Jesus Cristo", que levava multidões ao cinema, com longas filas se estendendo pela Rua Visconde de Pirajá, ainda calçada com paralelepípedos.

O filme era antiquíssimo, datado do início do século, do tempo do cinema mudo. O filme acompanha Jesus desde a cidade de Belém, onde Maria o concebe na manjedoura, até sua ressurreição, com todo rigor bíblico. O público acompanhava seus milagres, a integração dos Doze Apóstolos cm busca do bem, a última ceia, seu julgamento em praça pública e sua crucificação.

Filmado no ano de 1902, este filme foi um dos primeiros filmes sobre a vida de Jesus Cristo já feito. O diretor foi Lucien Nonguet e os atores foram Monsieur Moreau,  Ferdinand Zecca, Madame Moreau, Robert Henderson-Bland, Percy Dyer, Gene Gauntier.

Até o início da década de 60 a Sexta-Feira Santa era um dia triste, com as rádios só tocando música clássica. Não havia nenhum evento esportivo, os bares e restaurantes tinham frequência mínima, boa parte dos cariocas praticava o jejum e a abstinência de carne, as igrejas católicas cobriam todas as imagens com um pano roxo.

Se bem me lembro os jornais não circulavam e todo o comércio ficava fechado. Havia pouco movimento nas ruas e era um dia em que as brincadeiras das crianças tinham que ser mais comedidas, todos procurando falar baixo.

Na TV a programação também era adaptada para o dia de respeito pela morte de Jesus Cristo. Muitos já preparavam os "Judas" que seriam malhados no dia seguinte.

À tarde havia solenidades nas igrejas, com muito incenso e um clima de tristeza. A seguir, a "Via Sacra" e o dia terminava com a procissão.

Hoje em dia é bem diferente.

quarta-feira, 27 de março de 2024

MANEQUINHO

A estátua do Manequinho foi inaugurada em 20/6/1913 no saguão do prédio de nº 116 da Av. Rio Branco. Foi obra de Belmiro de Almeida. Um ano mais tarde foi instalado na Av. Rio Branco, em frente ao Clube Militar, onde mais tarde Francisco Serrador faria surgir a Cinelândia. 


Neste postal de A. Ribeiro, da coleção do amigo Klerman W. Lopes, vemos o Manequinho já em frente do Clube Militar. 


Neste outro postal vemos o Manequinho com o Palácio Monroe ao fundo. Ainda não havia começado a construção dos edifícios do "Bairro Serrador", como era denominado o espaço entre o Teatro Municipal e o Monroe. 

Francisco Serrador, o idealizador da Cinelândia, costumava dizer que a ideia da Cinelândia nascera a partir dos escombros do Convento da Ajuda. O objetivo era ter o projeto da Cinelândia pronto por ocasião do centenário da Independência, em 1922, mas não foi possível. As obras dos quatro primeiros prédios da Cinelândia foram iniciadas em 1923 e a inauguração do primeiro cinema desta área, o Capitólio, deu-se em 1925. Depois vieram o Glória, o Império e o Odeon, este em 1926. O Pathé-Palace é de 1928, o Alhambra é de 1932, o Rex de 1934 e o Rio de 1935.


Em 1925 deixou a região após um movimento liderado por uma "Liga pela Moralidade", organização católica que pretendia zelar pela moral e o bons costumes:

"Levantam-se os clamores de indignação contra livros, filmes, figuras immoraes e certos autores immoralissimos que por ahi andam. Outros, por depravação do espírito, vão comprá-los ou apreciá-los. Que haja policiamento contra tudo isto. Assim como importa, antes de todos, aos pais. Permittir que a filha ingennua, que vem florindo para a vida, veja algo pornografico é semear-lhe na alma o soffriemento futuro. Quando os pais têm pudor, os filhos também o têm. Assim, aos pais, toda a culpa do sacrilégio. Que os que ouvirem a acusação da consciencia tenham, pelo menos, d´agora por diante, a coragem de reagir contra a tendencia má dos filhos, contra a sua própria falta de imoralidade."

Tantos foram os protestos que a loja "Pavilhão" aproveitou a oportunidade para um bem bolado anúncio, vestindo o Manequinho. A "Liga pela Moralidade", que buscava o saneamento moral da sociedade brasileira, deve ter ficado muito satisfeita.

Em 1957, quando o Botafogo foi campeão carioca, o Manequinho foi vestido com a camisa alvi-negra. Foi uma final histórica, a que eu tive o privilégio de assistir. 6x2 no Fluminense, com atuações espetaculares de Garrincha e de Paulinho Valentim, sendo que este fez cinco gols.



Algum espertinho adaptou uma mangueira e coletou água do Manequinho, talvez em um das crises de abastecimento tão comuns no Rio dos anos 50 e 60.

A foto acima mostra a estátua, em 1964, no Mourisco, nas imediações do Cinema Guanabara (esta transferência fora feita durante o Governo do Prefeito Alaor Prata). 

Vemos a fiação dos ônibus elétricos. Poucos anos depois seria construído neste local o viaduto Pedro Alvares Cabral. À esquerda, o desaparecido cinema Guanabara. Os sobrados desapareceram para dar lugar à Rua Alvaro Rodrigues.

Aqui vemos o Manequinho em 1971, em foto de Gyorgy Szendrodi. 


O Manequinho em plena forma, com um fluxo de dar inveja...


Após várias mudanças de local o Manequinho está há algum tempo em frente à sede do Botafogo, na Av. Venceslau Brás. A estátua é uma réplica, pois a original foi furtada no final do século passado.


segunda-feira, 25 de março de 2024

LARGO DO BOTICÁRIO

 

Esta foto, dos anos 60, mostra o Largo do Boticário, no Cosme Velho. Começou a ser habitado em 1831, pelo boticário da família real Joaquim Luiz da Silva Souto, que ali morou em uma fazenda.

A casa nº 32 foi construída em 1846. 
Nos anos 1920 20, o empresário Edmundo Bittencourt, fundador do jornal "Correio da Manhã", comprou os terrenos disponíveis e construiu casas em estilo neocolonial, utilizando material antigo proveniente de demolições.

Nos anos 1930, o colecionador de arte e mobiliário dos séculos XVII e XVIII Rodolfo da Siqueira, muito contribuiu para o cenário neocolonial em que foi, aos poucos, sendo transformada a paisagem do Largo.

Nos anos 40, o arquiteto modernista Lucio Costa reformou muitas das casas, para melhor ressaltar o estilo da época.


Situado no fim do Beco do Boticário, no Cosme Velho (o beco fica entre os números 228 e 232 da Rua Cosme Velho), o Largo do Boticário recebeu este nome por ali ter propriedade Joaquim Luís da Silva Souto, que exercia a profissão de boticário ou farmacêutico. 

Quem o identificou como boticário foi Vieira Fazenda em "Antigualhas". Mas a pesquisadora Maria Carlota B. Lima Menescal, nada encontrou sobre isto. Acha ela que a profissão de Joaquim José da Silva Souto era militar, Sargento-mor das antigas forças do Brasil-Colônia, o que, por outro lado, não o impediria de popularizar-se também nas redondezas como fazedor de unguentos e xaropes. 

Conta Brasil Gerson que as terrras onde se situa o Largo e o Beco, foram aforadas a Joaquim José da Silva Souto, em 1831.

O Largo do Boticário ficava na chácara do Barão da Glória. Foi restaurado com calçamento e um chafariz próprios do seu passado pelo Prefeito Prado Junior e mandado conservar com essas suas características pelo Prefeito Henrique Dodsworth. 

O Largo é uma das poucas áreas urbanas onde é possível ver um rio correndo a céu aberto: o Rio Carioca, que nasce na Floresta da Tijuca e deságua na Baía de Guanabara, na altura do bairro do Flamengo, mas que tem a maior parte de seu curso acontecendo de forma subterrânea.


A pavimentação do local também passou por mudanças. No passado, eram pedras irregulares chamadas "pé de moleque", o que ainda é bastante comum de ser encontrado em algumas cidades históricas pelo Brasil. Depois aconteceu uma substituição pelas lajes de pedra, que permanecem ainda hoje.

Foi lá também que Cândido Portinari, um dos mais importantes pintores de nosso país e criador de algumas das obras de arte mais famosas do Brasil, pintou o retrato da ex-proprietária Sybil Bittencourt, já adulta. Ela, que faleceu no início de 2022, aos 98 anos, foi uma das antigas moradoras mais engajadas na luta pela preservação do local.

Uma das casas foi também residência do padrinho de Machado de Assis, o marechal Joaquim Alberto de Souza Pereira. Outra moradora ilustre foi a famosa crítica teatral Barbara Heliodora, filha de Marcos de Mendonça.


Os comentaristas mais antigos irão se lembrar dessas quatro moças. São as famosas primas da Tia Milu, que vieram do Sul para passar as férias no Rio. A série de fotos que fizeram de seu passeio fizeram sucesso nos antigos FRA-Fotologs do Rio Antigo.

Nesta foto estão junto à bica/chafariz do Largo do Boticário.  

Como acontece com frequência no Rio, a bica desapareceu misteriosamente nos anos 1980.


Após tempos de glória, o local que sempre aparecia nas colunas sociais por conta das festas luxuosas que ali aconteciam, passou por uma temporada de degradação, tendo até algumas casas sido invadidas.

Há uns poucos anos a rede Accor de Hotéis comprou todo o local e o restaurou completamente para ali instalar um "hostel" chamado "Jo&Joe".

Sobre o Cosme Velho já houve uma publicação sobre o edifício Águas Férreas em

https://saudadesdoriodoluizd.blogspot.com/2023/12/aguas-ferreas.html

O Cosme Velho abrigou, perto do Largo do Boticário, inúmeras mansões tais como conta o famoso psicanalista Francisco Daudt que, aliás, tem um ótimo filmete sobre o bairro no YouTube chamado “Cosme Velho – anos 70”.

Entre as mansões estão as da família Oswaldo Aranha, a de onde morou Machado de Assis, a de Austregésilo de Athayde, Wolf Klabin, a de onde morou Portinari, outra de Cecilia Meireles, outra onde ficava o Museu de Arte Naïf, a de Cicero Sandroni, a da família Rabello, a de onde morou Barbara Heliodora, etc.