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sábado, 13 de maio de 2023

DO FUNDO DO BAÚ - PROGRAMAS DE AUDITÓRIO

             PROGRAMAS DE AUDITÓRIO, por Helio Ribeiro

Na época áurea do rádio, houve vários programas de auditório que atraíam multidões, fossem meros espectadores ou fãs dos artistas que se iriam apresentar. Vários desses programas migraram posteriormente para a TV. Vamos listar alguns. Não vou citar os mais óbvios de todos, os programas do Chacrinha, de farto conhecimento público.

1) PROGRAMA CÉSAR DE ALENCAR

Era um dos mais famosos. Hermelindo César de Alencar Mattos começou a carreira em 1939, na emissora carioca Rádio Clube do Brasil. Mudou-se para a Rádio Nacional em 1945, atuando em narrações e comerciais e pequenas participações em novelas. Mas a fama veio quando em 1948 Paulo Gracindo saiu da rádio e César de Alencar passou a ter seu próprio programa, aos sábados.

A música de entrada do programa fez história: "Essa canção nasceu pra quem quiser cantar / Canta você, cantamos nós até cansar. / É só bater, e decorar / Pra recordar vou repetir o seu refrão / Prepara a mão / Bate outra vez / Este programa pertence a vocês".

O auditório lotava durante a apresentação do programa. Vide abaixo.


A foto abaixo mostra Cauby Peixoto cantando no programa.


Com o regime militar, César de Alencar foi injustamente acusado por adversários artísticos de dedurar dezenas de funcionários da Rádio Nacional. A partir daí sua carreira declinou.

2) PROGRAMA PAPEL CARBONO

Conduzido por Renato Floriano Murce, era um programa de calouros que revelou muitos cantores, como: Os Cariocas, Dóris Monteiro, Ângela Maria, Ivon Curi, Agnaldo Rayol, Roberto Carlos, Luiz Vieira, etc. Renato chamava os calouros de ilustres desconhecidos, tratava-os com muito respeito e procurava encaminhá-los na carreira artística.

Renato teve uma vida artística muito movimentada, passando por diversas emissoras de rádio. O programa foi inspirado num filme antigo assistido por Murce, que o adaptou para o rádio. Começou na Rádio Clube e depois migrou para a Rádio Nacional.


3) UM INSTANTE, MAESTRO

Lançado por Flávio Cavalcanti em 1952 na Rádio Nacional do RJ, foi levado para a TV Tupi em 1957. Com a ida de Flávio para a TV Rio em 1959, o programa saiu do ar, voltando em 1965 pela TV Excelsior e logo a seguir, em 1967, retornando para a TV Tupi.

Flávio selecionava lançamentos musicais da semana e dava sua opinião sobre eles. Os que não passavam pelo seu crivo tinham o disco quebrado ao vivo.


Posteriormente foi criado um grupo de jurados para julgar as músicas.


 Com o tempo, o programa evoluiu para A Grande Chance (programa de calouros) e posteriormente para Programa Flávio Cavalcanti. 

4) O CÉU É O LIMITE

Estreou em 1955 na TV Tupi de São Paulo, em seguida sendo repetido no Rio de Janeiro, onde o apresentador era João Silvestre, mais conhecido como J. Silvestre. Era um programa de perguntas. O candidato escolhia um tema e as perguntas se sucediam, cada vez mais difíceis. A cada pergunta, o candidato podia desistir ou continuar. A cada resposta correta, J. Silvestre imortalizou a frase "Resposta absolutamente certa".  


Patrocinado pela VARIG, J. Silvestre tinha como assistente a bela Ilka Soares.

A candidata mais famosa foi Leni Orcida Varela, na época com 23 anos e que respondia sobre Guerra Junqueiro visando angariar dinheiro para o casamento. Ela ficou com o apelido de Noivinha da Pavuna e conseguiu um bom prêmio, sendo sua união selada diante das câmeras, em 1969, com J. SilvestRe como padrinho.


5) CALOUROS EM DESFILE

Inicialmente transmitido pelo Ary Barroso. O calouro era submetido a uma série de perguntas que já o deixavam nervoso. Aí ele começava sua performance, que não necessariamente era música, podendo ser imitações, por exemplo. Se a performance não fosse boa, um imenso gongo era acionado. Os trajes do tocador do gongo variaram ao longo do tempo, mas costumavam ser de orientais ou africanos. Ele era apelidado de Macalé. Algumas vezes o candidato saía chorando do palco.



                          =====  FIM  DA  POSTAGEM  =====

Luiz D´: 

Abaixo meus comentários.

1) PROGRAMA CÉSAR DE ALENCAR: os programas de auditório faziam drande sucesso. Tenho muitas dúvidas sobre o papel do Cesar de Alencar no caso da delação de "comunistas". Sim ou Não? Há muitos textos que falam desse assunto.

Cauby foi um ídolo com milhões de admiradores. O assédio a ele em público era impressionante. Eu acho que ele tinha uma voz muito bonita e algumas interpretações fantásticas como "Bastidores", do Chico Buarque.

2) PROGRAMA PAPEL CARBONO: pouco acompanhei este programa, mas os artistas citados mostram como foi importante.

3) UM INSTANTE, MAESTRO: certa vez, quando o Simonal gravou "Manias", de autoria do Flavio, ele disse que antes de ouvir tinha certeza de que quebraria o disco. Mas se rendeu à interpretação do Simonal e o convidou para cantar ao vivo em seu programa. 

Na foto dos jurados acho que estão: José Messias, Iris Lettieri, Erlon Chaves, Walter Forster, Márcia de Windsor e Sergio Bittencourt. 

4) O CÉU É O LIMITE: via sempre. Começava com um "Continua ou desiste" para o candidato. Se desistisse levava o prêmio (ou parte dele) que já havia conseguido. Se continuasse e errasse as respostas perdia tudo. Era um angústia. Acompanhei com interesse o Oriano de Almeida respondendo sobre Chopin. Até hoje tenho dúvidas sobre a honestidade desses programas. Será que não havia acordos entre produtores e candidatos?

5) CALOUROS EM DESFILE: o Ary Barroso não era fácil. Certa vez um candidato disse que ia cantar um sambinha. Ary perguntou qual o nome do sambinha. O infeliz candidato disse que era Aquarela do Brasil. Foi gongado antes de começar a cantar.

O Tião Macalé era o técnico do Dínamo, time de praia famoso que usava uma camisa como o do América e tinha seu campo quase na esquina da Constante Ramos. Ao lado do campo do Maravilha. Depois o Macalé participou de muitos programas humorísticos.

Agradeço, mais uma vez, ao Helio Ribeiro pela colaboração.


quinta-feira, 11 de maio de 2023

REVISITANDO A TV EXCELSIOR - CANAL 2


Os FRA-Fotologs do Rio Antigo foram depositários de milhares de informações interessantes sobre o Rio de antigamente. Infelizmente o provedor Terra enterrou todos eles em 2013.

Hoje temos um resgate de um "post" do Tumminelli, no "Carioca da Gema", sobre a TV Excelsior, com foto de Gustavo Binder.

Os estúdios foram instalados no antigo prédio do Cinema Astória, que encerrou suas atividades após 21 anos, em 1963. O local então foi utilizado como auditório da TV Excelsior (cuja matriz ficava em SP), de propriedade de Mario Wallace Simonsen.

Este texto inclui comentários de Paulo Petropolitano, Adriano Trindade Gomes e AG, escritos em 2007.

A Excelsior foi a primeira emissora de TV a usar o vídeo-tape (numa época onde tudo era ao vivo), para distribuir programas que eram exibidos na mesma hora pelas várias TV afiliadas. Foi também a primeira a exibir um programa a cores, o Moacyr Franco Show. No entanto, esta transmissão não é considerada a oficial. A primeira transmissão oficial em cores foi a Festa da Uva de Caxias do Sul, em 1972.

O fim da Excelsior veio pela pressão do governo militar que a obrigou a tirar do ar vários programas que geravam receita para a emissora. Com isso as dívidas foram se acumulando e a Excelsior saiu do ar, por determinação dos militares, em 1970.

Após o fechamento da Excelsior, o prédio abrigou outro cinema, o Super-Bruni 70, que funcionou de 1971 a 1976. O endereço era Rua Visconde de Pirajá nº 595. O prédio foi demolido e, em seu lugar, está um arranha-céu comercial.

Reparem que na fachada ainda existem marcas do nome Astória.



Na Excelsior houve a célebre entrevista com Jean Paul Sartre. Aquela em que ele disse que o Socialismo seria insuperável e o Nelson Rodrigues comparou a declaração com fanatismo de torcedor do Bonsucesso.

De qualquer forma, depois de falar por mais de três horas, o Sartre virou para quem estava ao seu lado e exclamou "Que diabo de país capitalista é este em que eu ocupo uma TV comercial por esse tempo todo para falar de Socialismo?!".

Mário Wallace Simonsen, um os homens mais ricos do Brasil, exportador de café, sócio da Panair, banqueiro e industrial, era também dono da Excelsior, a mais criativa emissora de televisão da época. Criadora de inovações como a grade horizontal, grade vertical, horários fixos, vinhetas bem feitas, telenovelas diárias e jornalismo inovador como o inimitável “Jornal de Vanguarda” do Fernando Barbosa Lima, a Excelsior (leia-se Simonsen) cometeu o pecado de apoiar João Goulart. A partir daí caiu-lhe o mundo na cabeça, acabando por morrer esquecido em Paris, em fevereiro de 65.

O “Jornal de Vanguarda”, do Fernando Barbosa Lima, entrava ao vivo no ar na faixa das 22:30h. Olha só o time: Borjalo, Appe, Millor Fernandes, Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), Don José Cavaca, Villas-Bôas Corrêa, Tarcísio Holanda, Darwin Brandão, Newton Carlos, Gilda Muller, Ricardo Amaral, Luiz Carlos Maciel, Maneco Muller, Ibrahim Sued e Reynaldo Jardim. Locutores: Célio Moreira, o gogó de ouro, e o irmão Cid, o gogó de prata. E o Luiz Jatobá. E tinha o Fernando Garcia que decorava os textos quilométricos e dizia olhando fixo para a câmera sem tropeçar uma letra. O homem carregava o telepronter embutido na cabeça.

Não lembro se a história que entrou para o folclore da televisão foi lida pelo Fernado Garcia ou pelo Jatobá: Uma noite, comemorando o dia 21 de abril, o locutor entrou no ar e disse: “21 de abril; dia de JOAQUIM JOSÉ DA SILVA TIRADENTES ... (branco geral), mas engatando uma pausa arrebatou: o XAVIER...”

Depois o Jornal de Vanguarda passou pela TV Rio, Tupi e Globo. Mas com tantas "imposições" da direção desta última, "guiada" pelo AI-5, a equipe resolveu tirar o programa do ar, ao vivo. A última frase da edição foi: "Um cavalo de raça a gente mata com um tiro na cabeça”.

Levaria muitos caracteres disponíveis para listar as contribuições da Excelsior para a TV brasileira das quais a Globo abocanhou a maioria.

Em 1963 fazia grande sucesso na Argentina uma novela chamada “0597 Dá Ocupado.” O Edson Leite, um dos caras que mais entendeu de televisão nesta terra, lançou-a também em 1963 com o título “2-5499 Ocupado”. Atores principais: Tarcísio Meira e Glória Menezes. Como coadjuvantes estavam Lolita Rodrigues, Neuza Amaral e a Célia Coutinho, “certinha do Lalau”. Foi a primeira experiência com o engatinhante vídeo-tape, para produzir novelas no formato que hoje se exibe.

De fato, um slogan da emissora no seu início era "eu também estou na Excelsior", repetido pelas muitas novas contratações, vindas de outras emissoras, a maioria da TV RIO.

A quantidade de novas atrações era tão grande que foi anunciada com grande alarde a vinda de Frank Sinatra (muito antes de 1980). A Excelsior enrolou o público por muito tempo até apresentar, num domingo à noite, um sósia do cantor fazendo dublagem, para frustração do público. Dizem que a audiência caiu bastante depois disso. 

 

quarta-feira, 10 de maio de 2023

LOTAÇÕES

Os lotações, sempre lembrados pela turma de antigamente, faziam parte do folclore carioca. Hoje veremos alguns deles. Alguns chegam a dizer que as loucuras que os motorista das atuais vans não chegam nem perto das loucuras dos motoristas de lotações.


Esta fotografia mostra o panorama de Botafogo visto a partir do primeiro banco atrás do motorista de um lotação. À direita, em primeiro plano, o local onde eram depositadas as fichas para controle de pagamento. O lotação estava na Avenida Pasteur, no trecho onde fica a Policlínica de Botafogo. 

Escrito no para-brisa dianteiro podemos ler parte do itinerário: Copacabana - Túnel Novo - Barata Ribeiro - Avenida - Mauá. 

As fichas eram distribuídas pelo próprio motorista para controlar o número de passageiros pagantes.  

Em destaque, ao fundo, o edifício Rajah. Como o lotação era de 20 passageiros, logo lotavam e faziam a viagem sem parar mais para pegar passageiros. Era um transporte rápido e eficiente. 

Às vezes, os estudantes fazíamos um sinal com a mão espalmada para baixo, como se estivéssemos comprimindo algo para o chão, indicando que poderíamos ir agachados no corredor e alguns motoristas camaradas "quebravam o galho" e nos deixavam embarcar. Era o famoso "abaixadinho". 

Outro sinal que se fazia era com os dedos, indicando o número de pessoas que precisavam embarcar. Como a maioria dos lotações respeitava a capacidade máxima, o motorista era avisado de quantos estavam querendo embarcar (pais e filhos, por exemplo). 

O pequeno letreiro cuja caixa aparece ali à direita, sobre o painel depois do corrimão era o que informava se o lotação estava lotado.


Foto de 1957, enviada pelo Helio Ribeiro. Vemos um lotação da linha "Santa Alexandrina x Leme", na Rua Gustavo Sampaio, Leme, perto da Rua Anchieta. A foto é de 15/05/1957. Curiosamente o caminhão de lixo está estacionado na contra-mão. O caminhão que vem ao fundo é um Mack. E do lado direito, estacionado, um Chevrolet 51, por aí. 

Mais uma fotografia enviada pelo Helio Ribeiro. Vemos um lotação da linha "Vaz Lobo x Candelária", tendo no vidro dianteiro parte do itinerário: Variante - Lobo Junior - Vic. de Carvalho. Destaques na foto a fila ordenada e o guarda de trânsito à direita, além, é claro, do próprio lotação. A pergunta é a de sempre: onde é?


Foto garimpada pelo Nickolas. Vemos o lotação Mauá-Copacabana na Av. Atlântica, bem em frente à casa onde funcionava a Cultura Inglesa (vizinha da TV Rio). Ao fundo podemos ver a cruz da antiga igrejinha de Copacabana, na Rua Francisco Otaviano.


Nesta fotografia, que mostra o trânsito na Glória, vemos dois coletivos cujas linhas eu usava muito: bem à esquerda um ônibus da linha "64 - Leopoldina-Leblon", que passava em frente do Colégio Santo Inácio e fazia o percurso até em frente de casa, na Rua Barata Ribeiro. O outro, bem ao lado do "64", um lotação da linha "Lins-Lagoa", que usava para ir ao Maracanã e que fazia o ponto final na subida da Curva do Calombo, na Lagoa. No centro da foto um lotação de modelo antigo, da linha "Castelo-Ipanema". A foto, de janeiro de 1960, é do acervo do Arquivo Nacional. 

Entre os automóveis vemos um Buick Roadmaster na extrema esquerda, com sua grade característica. O Fusca tem pinta de final dos anos 50. O carro meio encoberto pelo fusca é um Cadilac, 1949. E atrás do Impala é um Mercury, do mesmo ano. Atrás do VW temos um Chevrolet Impala. A camionete DKW é 1957 Ao lado direito do Magyrus-Deutz é um Ford? 


Lotação Penha-Meyer. Nosso prezado Mauroxará já deu uma aula sobre esta foto: "
Esta foto foi feita no ponto final, depois de um aumento de passagens, que hoje se diria tarifa. Este carro é um Dodge com carroceria de 13 lugares. Era conservadissimo e  tinha o numero 285.

O seu proprietário era dono tambem de um ferro-velho e por isto nós o chamávamos de Ferro-Velho. Sendo menor que os demais,que tinham capacidade para 19 ou 20 passageiros, nós chamavamos este carro de "ganha-pouco".

Na mesma foto está atrás dele um Chevrolet com carroceria CIRB que tinha o número 613 e era dirigido pelo Jorge,  que nós chamávamos de "Genipapo".

Esta linha era a segunda maior em número de carros (126). Só era menor que a Estrada de Ferro-Leblon, com 388 carros.


Em foto garimpada na Internet pelo Nickolas Nogueira vemos o lotação "Largo da Penha - Cosme Velho" na Rua Cosme Velho. Até a década de 60 a rua era super-tranquila, ainda com os trilhos de bonde visíveis. O acesso ao Túnel Rebouças, construído pouco tempo depois da foto, transformou a rua em local de grande movimento e engarrafamentos constantes. Estamos, provavelmente, nas vizinhanças do local conhecido como Águas Férreas.



terça-feira, 9 de maio de 2023

ASPECTOS DA AV. NIEMEYER

A história da Av. Niemeyer começou em 1891, quando a Companhia Viação Férrea Sapucaí iniciou a construção de uma estrada de ferro ligando a Zona Sul (então o bairro de  Botafogo) com Angra dos Reis. 

A obra, após os primeiros  metros, não foi adiante, só sendo retomada em 1911, quando ali se instalou o Colégio Anglo-Brasileiro. Para servir ao colégio, seu dono, o inglês Charles Weeksteed Armstrong, abriu o Corte do Leblon, além de construir cerca de 1 quilômetro da futura Av. Niemeyer. 

Mais tarde, o coronel Conrad Niemeyer prolongou-a até a Praia da Gávea, baseado em projeto de Paulo de Frontin e, em 1916, doou-a à cidade. 

Hoje vamos ver alguns dos usuários desta avenida que, durante muito tempo, era o caminho da Zona Sul para namoros em São Conrado e na Barra da Tijuca.


Este flagrante da equipe de repórteres do "Correio da Manhã", além de processo por invasão de privacidade, poderia ser respondido a bala. Certamente a foto foi feita numa segunda-feira à tarde, com o casal indo para um motel.

Até parece que o Buick está rebocando a "baratinha", mas o mais provável é que algum corredor do circuito "Trampolim do Diabo" estivesse conhecendo o local da prova.

Aqui vemos um casal voltando tranquilamente para a Zona Sul após uma tarde em São Conrado.



Turistas param o Citroen numa avenida quase deserta para apreciar o belo panorama da Pedra da Gávea.


As duas últimas fotos são do acervo do A. Silva, a quem o "Saudades do Rio" agradece. A família feliz desfrutava do passeio, mal sabendo que pouco depois teria problemas.



O passeio de domingo teve uma interrupção perto da Gruta da Imprensa. Será que o carro "ferveu"?



segunda-feira, 8 de maio de 2023

REVISITANDO A COMPORTA DO JARDIM DE ALÁ

 

Na semana passada recebi esta fotografia aérea da Aviação Naval, de J. Kfuri, com data de 1921, três anos após ter sido feita a ligação entre Ipanema e Leblon, pela primeira ponte entre a Vieira Souto e a Delfim Moreira.

Parece mostrar que, na época, não existia uma ligação aberta entre o mar e a lagoa, sendo a comunicação apenas dependente das marés.

Aliás, esse canal, outrora natural, entupia com frequência por assoreamento. Até 1893 a União era responsável por sua manutenção. Em 1893, esse serviço passou para a municipalidade, que o terceirizou em 1896 para a empresa “Companhia de Melhoramentos da Lagoa e Botafogo”, que logo se mostrou ineficaz. Em consequência disso, as enchentes e a mortandade de peixes infernizavam os bairros circundantes da Lagoa. O canal só foi perenizado há cerca de 100 anos pelo engenheiro Saturnino de Brito por ordem do Prefeito Carlos Sampaio para manter limpa e salgada as águas da Lagoa.


Esta foto, do acervo do A. Silva, disponibilizada pelo Francisco Patricio, mostra as obras de construção do canal do Jardim de Alá, com a instalação de uma comporta junto à orla.


Meu amigo Odone Bisaglia me enviou esta foto, do acervo de Nema Kastrup (fotos semelhantes estão disponíveis no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro). Pertenciam ao avô dela, o engenheiro J. C. Kastrup, homem empreendedor, elegante, vaidoso, que gostava muito de corrida de cavalos e que participou da construção. Ele aparece nas fotos com seu terno de linho e com seu chapéu de palha - um autêntico carioca. A comporta, construída provavelmente por volta de 1926, quando o Prefeito Carlos Sampaio determinou o saneamento da Lagoa e o engenheiro Saturnino de Brito, após cuidadoso estudo, canalizou rios e retificou o canal do Jardim de Alá (que liga o mar à lagoa), além de criar duas ilhas artificiais, a dos Caiçaras e a do Piraquê. Com isto, a água que era doce, passou a ser salobra, e diminuíram as mortandades de peixes e as enchentes da época das chuvas. A partir deste saneamento muitas chácaras foram loteadas e começaram a surgir as ruas do entorno da Lagoa.


Esta comporta feita para a Lagoa é a que de fato funcionou graças à teoria do Saturnino de Brito de que a Lagoa tinha que ser salgada e não doce, para combate do lodo, mosquitos e da malária que grassava na região em pleno séc. XX. A primeira comporta era mera extravasadora, o que mantinha a Lagoa totalmente com água doce.

No grupo junto ao automóvel estão identificados "Freire, Dr. Saturnino, Dr. Duarte e Kastrup".


Como já contou o Decourt, na realidade são três comportas que existem no entorno da Lagoa, funcionando como um grande sistema de vasos comunicantes. As da Visconde de Albuquerque e Gal. Garzon evitam que a água doce das bacias do Jardim Botânico e Gávea entrem na Lagoa e só são abertas em caso de risco de transbordamento. Já a do Jardim de Alah tem duas funções: esvaziar a Lagoa quando por causa das chuvas a comporta da General Garzon e as galerias de águas pluviais trazem o risco da Lagoa transbordar, e na maré alta, para permitir a entrada de água salgada para Lagoa, fechando logo em seguida, na seca da maré, para manter o nível das águas. Só houve um erro no projeto: não se imaginou o carreamento de areia do mar para o canal, o que provoca sua constante obstrução.


Cariocas adoram uma obra.  Além das autoridades, vemos os trabalhadores propriamente ditos e vários espectadores.


Originalmente a Lagoa era uma lagoa mesmo ou laguna? Se tivesse comunicação com o mar, seria uma laguna com água salobra; se não tivesse, seria uma lagoa de água doce. Em geomorfologia lagoa e laguna são conceitos diferentes. Nos dias atuais, tecnicamente a nossa lagoa é uma laguna, já que possui água salobra e se comunica com o mar através de canais. Nos mapas antigos não vejo comunicação da lagoa com o mar, daí a dúvida. As pessoas normalmente confundem os dois conceitos; a Lagoa de Araruama também é uma laguna. A dos Patos também.
Segundo o Decourt a Lagoa passava a maior parte do tempo com a água com pouca quantidade de sal, principalmente no verão, época de mar calmo e muita chuva, que aumentavam consideravelmente a vazão das bacias, principalmente dos Macacos. Mas no inverno a situação se invertia, as ressacas reabriam a comunicação do mar com a lagoa e a vazão dos rios diminuía muito. Saturnino de Brito, com sua obra saneadora regularizou o regime do inverno para o ano todo, com os canais e as comportas mantendo a lagoa sempre com um teor de sal maior. Assim se diminuía o lodo, se evitava os mosquitos e também a mortandade dos peixes, o que acontecia sempre no verão desde os primórdios da cidade.


Segundo o livro lançado sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas, trata-se de uma laguna. No "Plano da Lagoa Rodrigo de Freitas", de Carlos José de Reis e Gama, Tenente-Coronel Coni e Capitão Marques Augusto, de 1809, vê-se com clareza o cordão arenoso, ainda estreito e sem aterros, que interrompeu as trocas entre águas do mar e da laguna. Continua o texto do livro: À laguna aos pés do Corcovado, tendo em sua retaguarda o Maciço da Tijuca exercendo função estrutural, ela também foi sendo fechada à medida que a ação geológica do mar construía uma restinga frontal apoiada nas pontas do Arpoador e do Vidigal. Inicialmente, o extenso cordão arenoso que hoje tem as denominações Arpoador, Ipanema e Leblon, era apenas interrompido quando, submetido à força das marés, via romper uma barra que, uma vez aberta, deixava penetrar o mar no interior da laguna, renovando suas águas. A natureza, no entanto, seguia seu curso. Os rios desciam as encostas do maciço e continuavam despejando sedimentos, argilas, seixos e blocos de rocha nas margens e nos fundos da laguna. As ondas prosseguiam na consolidação do cordão de areia, até que chegou um momento em que a ligação com o mar foi finalmente interrompida.


Esta foto da comporta mostra, bem à esquerda, o letreiro do Posto Esso do Jardim do Alá, o famoso "Postinho".


Vemos nesta foto de 1963, do Arquivo Nacional, o canal junto ao mar cheio de areia. Desde sempre é preciso haver dragas de plantão para retirada, quase que diária, da areia que obstrui o canal. Deve ser um negócio rendoso para o dono da draga.

Há alguns anos o departamento de estudos do mar da COPPE fez um projeto para acabar com este problema. Se não me engano, criaria um enrocamento avançando 200 metros mar adentro, na altura do canal. O objetivo era evitar o deslocamento da areia que entope o canal e também a perda de areia no Arpoador durante determinada época do ano. Não foi para frente.


Obras de alargamento do canal do Jardim de Alá no final dos anos 60.

A verdade é que a Lagoa está sendo mais bem cuidada desde há alguns anos. Não temos tido aquelas mortandades de peixes que foram tão frequentes. E, como já foi dito há poucos dias, a fauna e a flora estão exuberantes.