E,
há 45 anos, em 13/12/1972, a turma da Faculdade Nacional de Medicina da
Universidade do Brasil, na Praia Vermelha, colou grau no Teatro Municipal.
Reproduzo
o discurso de David Capistrano Filho, saudoso colega e orador de nossa turma:
“A
vida, que nos uniu, agora nos separa. Porém a unidade que formamos permanecerá
em cada um de nós.
Eram
muitas as características que se combinavam determinando a nossa diversidade:
chegamos de vários estados, cursamos distintos pré-vestibulares, pensávamos o
mundo de modos diferentes, tínhamos origens sociais diversificadas. Cada um de
nós era uma história e nossas histórias pouco tinham a ver umas com as outras.
Há
seis anos nossas histórias formaram a multidão enorme a pensar, lembrar
fórmulas, temer, suar, fazer o vestibular no Maracanã. Dos milhares que se
reuniram naquele dia, a turma foi surgindo a pouco e pouco.
Nós
tínhamos consciência da magnitude de nossa turma. Nos primeiros dias, de
alegria e avidez, transbordávamos dos anfiteatros. Havia que chegar cedo à aula
de bioquímica, iam até tarde as aulas de biologia celular. Entre reflexões sobre
a condição humana enchíamos a sala e dissecávamos na Anatomia.
Nós
tínhamos consciência da magnitude de nossa turma. Mal entrados na Faculdade, já
pensávamos na clínica. Com três anos de antecedência, queríamos o Hospital, 40
anos atrasados. Quantas discussões, quanta energia, quanta animação! Hoje
sorrimos lembrando os ânimos exaltados, a discussão acirrada, os plásticos, as
faixas, os slogans, as passeatas. E o Hospital está aí, metade inaugurado.
Sentimos a marca da nossa mão em suas paredes.
No
primeiro ano de nossa experiência comum, penetramos toda a Faculdade. Jornal,
Cooperativa, Diretório, Semana de Debates Científicos, Atlética, Associação dos
Estudantes de Medicina do Estado da Guanabara. Nos agrupávamos e nos
conhecíamos, estudávamos e saíamos juntos. A história de cada um era contada a
outro, construíam-se amizades, mudavam os modos de ser e pensar. Já não éramos
apenas pessoas isoladas, éramos mais, quase uma unidade, quase um organismo.
1968
foi um ano-marco. Já distinguíamos o bom e o mau na Universidade. Não deixamos
passar sem o nosso apoio ou a nossa crítica nenhum aspecto da vida da
Faculdade. Nos unimos ainda mais. Participamos do movimento mundial da
juventude, que empolgou as Universidades e as nações. Misturamo-nos na emoção,
na esperança, na participação coletiva que caracterizou o ano de 1968.
1969
marcou o início de nosso contato com o doente, fonte e destinatário de nosso
conhecimento. Para muitos, foi como se o curso médico só então começasse
realmente. Ainda falta o Hospital, e nos separamos: Santa Casa, São Francisco
de Assis, Moncorvo Filho. Nos esforçamos para conseguir o melhor curso dentro
das possibilidades existentes, então já reduzidas com o fechamento do Centro
Acadêmico Carlos Chagas.
Nas
horas difíceis de 1969, soubemos ser firmes e serenos. Saímos – alunos e
professores – íntegros, unidos e solidários dos piores momentos.
1970
marcou nossa volta ao Maracanã, depois de uma longa campanha, tentando a vaga
no Pronto Socorro. De novo pensamos, lembramos fórmulas, tememos, suamos.
Depois, quase todos começamos a viver esta experiência vital para o estudante
de medicina que é trabalhar num Pronto Socorro.
1971.
Sentimos agudamente a dispersão da Faculdade, gerada pela falta do Hospital de
Clínicas. Andamos muito, indo e vindo aos diversos locais onde funcionavam as
disciplinas. Tivemos o prazer de passar pelos cursos de Tisiologia, Pediatria,
Neurologia, entre outros, que tanto nos agradaram.
Finalmente,
em 1972 nos voltamos para o estudo exclusivo do que mais nos seduziu.
Espalhamo-nos pelos hospitais, para completar a formação que nos dá direito ao
diploma.
Recordemos
estes seis anos em minutos. Lembremos que eles foram trepidantes, inquietos, de
mudança. Lembremos que fomos fatores de transformação, que alteramos hábitos
nas disciplinas, para que toda a turma pudesse aprender. Lembremos que nós nos
transformamos enquanto agíamos.
Recordemos
estes seis anos em minutos. Orgulhemo-nos de termos ajudado a melhorar algumas
coisas, abrindo caminho para as turmas que nos seguiram. Recordemos que foi uma
vitória conseguir de nossa velha Faculdade um curso à altura de suas tradições
para nossa grande turma.
Recordemos
estes seis anos em minutos. Lembremos os erros, as deficiências do ensino, o
silenciamento da Universidade. Lembremos que não chegaríamos à metade do
caminho se estivéssemos apenas nós unidos. Lado a lado conosco, estiveram
nossos professores. Lembremos que não apenas se desdobraram para nos ensinar o
que sabiam, mas arriscaram carreiras construídas em anos de trabalho para nos
defender, para defender a Faculdade, a Universidade, a Liberdade. Mestres que
hoje homenageamos souberam ocupar os mais altos postos de direção na
Universidade mantendo uma linha de conduta que os honrou sobremaneira,
demonstrando que não lhes faltava coragem para enfrentar todos os desafios e
pressões. São eles os professores José Leme Lopes, Lauro Sollero, Bruno Alípio
Lobo, Clementino Fraga Filho. Juntamente com os demais que recebem a nossa
homenagem – mestres Newton Bethlem, Brito Pereira, Sidney Reis, George Doyle
Maia, Antônio Paes de Carvalho e no nosso Diretor, José de Paula Lopes Pontes –
recolhem hoje aplausos nascidos tanto de seus próprios méritos como do
reconhecimento de serem representativos das melhores qualidades do Corpo Docente
da Faculdade, ao qual estendemos nosso elogio.
A
vida nos ensinou a importância da união. Fomos superando o que nos dividia,
ressaltando as aspirações justas e comuns. Nós aprendemos que a união liberta.
A
vida nos ensinou a importância do conhecimento, não apenas da ciência médica
como da vida de nossos compatriotas, das nossas crianças, dos homens, mulheres
e velhos de nosso país. Nós aprendemos que o conhecimento liberta.
A
vida nos ensinou a importância da liberdade, para promover a união e o conhecimento.
Aproveitemos
o que a vida nos ensinou na atividade profissional, que amanhã começa para nós.
Conheçamos a nossa profissão, cada vez menos liberal. À medida que somem os
consultórios particulares – o que constitui processo social irreversível – mais
somos dependentes dos grandes hospitais, pertencentes tanto ao Estado como a
grupos privados. Defendamos a institucionalização da Medicina, combatamos a sua
privatização e consequente comercialização. Defendamos a justa remuneração do
nosso trabalho, combatamos os que enriquecem às nossas custas e às custas dos
doentes. Concordemos com as palavras do atual Presidente do INPS: “a saúde não
deve beneficiar ninguém, pois que lágrimas e sofrimento não devem se converter
em dividendos”.
A
vida, que nos uniu, agora nos separa. Porém a unidade que formamos permanecerá
em cada um de nós. O tempo de nossa convivência acrescentou-nos novas
dimensões. Já não somos os mesmos de há seis anos. Já não somos tão diferentes.
Completamo-nos. Cada um de nós não é somente uma história. Crescemos e na
história de cada um de nós há capítulos comuns, memória coletiva, ideais de
todos nós.”
As
últimas fotos mostram o convite de formatura, a Faculdade já fechada e meu
antigo uniforme do time de vôlei da FNM.
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