A Favela da Catacumba, entre o Corte do Cantagalo e a Curva do Calombo na Lagoa, começou no final da década de 1930, consolidou-se na década de 40 e foi removida no Governo Negrão de Lima no início da década de 70.
Por morar em frente ao local pude
assistir os incêndios ocorridos nos anos 60 e a remoção da favela. A mim me
parecia uma favela tranquila. Quando ia para o colégio e o ônibus elétrico
parava num ponto bem no meio da favela dezenas de trabalhadores entravam e nunca
houve problema algum. Quando ia para o colégio de bicicleta também nunca tive
qualquer inconveniente.
Foto de Manuel Augusto Martins Gomes
https://manuelamartinsgomes.blogspot.com/
https://www.facebook.com/ManuelMartinsGomesMemorias
Na favela moravam os
trabalhadores que construíam os edifícios dos anos 60, as lavadeiras e
empregados domésticos de Ipanema, Leblon e Lagoa. Tinha dois campos de futebol
junto à lagoa, onde disputavam-se animados campeonatos.
Foto de Manuel Augusto Martins Gomes (veja os links na foto anterior). Os dois times de futebol da favela eram o Brasil Novo e o Juventude. O Sete de Setembro da Cruzada São Sebastião era o grande rival desses dois times.
Foto garimpada pelo Achylles Pagalidis: “Os primeiros
casebres apareceram na década de 30, mas o verdadeiro crescimento se deu em
1942 com a chegada de uma leva de migrantes vindos do Maranhão. Gradativamente,
a mata foi sendo derrubada para dar lugar a casas e barracos. A aglomeração
urbana, que parecia uma massa uniforme para um desatento, estava dividida em
três partes: Passarinheiro, Maranhão e Café Globo."
Foto de Genevieve Naylor. Nos anos 60, ainda sem a explosão de vendas das máquinas de lavar, era comum os moradores vizinhos utilizarem as lavadeiras. Era comum vê-las com a trouxa na cabeça, indo e vindo. Pegavam as roupas sujas, fazia-se um rol para conferência em duas vias, na semana seguinte devolviam as roupas lavadas e levavam outras tantas sujas.
Nesta bela colorização do Reinaldo Elias de uma foto do Arquivo Nacional (coleção Correio da Manhã) vemos o ônibus elétrico da linha 16, Largo do Machado-Ipanema, via Copacabana (circular). Era o "meu" ônibus. Na década de 1960 havia um grande número de colégios em Botafogo (Santo Inácio, Santa Rosa, Jacobina, Brasil-América, Pedro II, Padre Antonio Vieira, Resende, Virgem de Lourdes, Andrews, Anglo-Americano, Imaculada Conceição, etc) e quase todos os alunos que moravam em Ipanema e Lagoa usavam este ônibus. Como o trajeto era relativamente pequeno, estas linhas tinham poucos veículos e conhecíamos os motoristas.
A primeira viagem do "via Copacabana" iniciava-se às 5h45min no Largo do Machado. Ao passar pela Praça General Osório pegava o Rogério, o Oscar e o Márcus (Santo Inácio), além das meninas do Jacobina (Andreia, Lulude, Solange). Ia pela contra-mão na Visconde de Pirajá, dobrava na Farme de Amoedo onde subiam o Renato e o Paulo Renato (Santo Inácio). Na Alberto de Campos, a Suzana e Beth (Imaculada Conceição). E o Guilhon. Dobrava na Rua Montenegro por volta das 6h25min e, no 1º ponto na Lagoa, Flávia e Verinha (Sion). No 2º ponto, antes de chegar na Gastão Bahiana, Michael, Doug e eu (Santo Inácio), Lilian (Jacobina), Silvia (Imaculada Conceição).
Passava, então, pela Favela da
Catacumba, onde entravam os operários, porteiros, empregadas domésticas, que
iam para o trabalho (nunca houve nenhum assalto ou qualquer incidente - eram
tempos de paz). A zona mais próxima a Ipanema era chamada de Passarinheiro, a
do meio conhecida por Maranhão e a terceira, mais perto da Curva do Calombo,
era chamada de Café Globo. O acesso a favela da Catacumba se dava por 15
entradas que levavam às suas 1500 casas, 80% das quais de madeira. Lembro de um
simpático morador, muito forte, que levava uma caixa de ferramentas onde
sobressaía um enorme serrote, e que sempre cumprimentava a nós todos.
Na Lagoa, perto da garagem do
Botafogo, Vanda e Vandinha (Pedro II). Na Fonte da Saudade, Sonia e Zenir
(Imaculada Conceição) e outro Renato (Santo Inácio). Dobrava no Humaitá para
pegar as "três mosqueteiras", musas de muitos, Helia, Tininha e
Regina (Santa Rosa de Lima). Às vezes alguém se atrasava e o motorista dava um
jeito de fazer hora no ponto, dando um tempinho. Nos conhecia a todos.
Muitos namoros aconteceram - tempos bons.
Foto da revista Quatro Rodas: flagrante do dia a dia na favela. Enquanto uma menina enfrenta a luta constante por água carregando duas latas, outros moradores se dirigem à igreja para uma Primeira Comunhão. Em nossa prédio havia vários moradores da favela trabalhando como empregados domésticos e auxiliares de portaria.
Foto de Luiz D´: Vemos a Favela da Catacumba que acabara de ser
removida, o edifício que tantos anos ficou no "esqueleto" e mais
nenhum edifício ou casa. O aterro da Lagoa, para a construção do Viaduto
Augusto Frederico Schmidt e da duplicação da Epitácio Pessoa avançava. À esquerda,
o aterro não autorizado, para a construção de um "shopping-center"
também avançava, felizmente embargado em episódio nebuloso. E ainda o tobogã do Amaral
faturando.
Foto de Luiz D´: outra imagem da Favela da Catacumba por volta de 1970. Com a remoção da favela foi construído em parte do terreno o Parque da Catacumba, que merece ser visitado. É seguro e tem trilhas até o topo. A vista de lá é deslumbrante e a caminhada bastante traquila.
Esta foto, do acervo da família Arnizaut, é de 1976. A pedreira, onde durante muito tempo havia uma concessionária de automóveis (Auto-Modelo) e de motos, ainda não havia sido encoberta pelo paredão de prédios luxuosos construídos na década de 80 (o primeiro foi o "Vivendas Villa Lobos"). Entretanto, do lado esquerdo já vemos alguns edifícios, inclusive aquele altíssimo que destoa completamente e que deve ter gerado muito lucro para quem o autorizou.
Foto garimpada pelo Rouen: vemos Posto Petrobrás da Catacumba, que foi construído em 1968, a partir de projeto de Dilson Gestal Pereira, Waldyr A . Figueiredo, Paulo Roberto M. de Souza e Alfredo Lemos. Na época foi uma inovação, pois foi construído entre as pistas da Avenida Epitácio Pessoa. Neste posto havia, inclusive, uma sala para exposições de artes plásticas.
Em 1969, o irreverente Juca
Chaves, montou o Circo SDRUWS vizinho ao posto. O programa inaugural constou de
uma tarde de coquetel para a crítica e favelados, na noite seguinte uma sessão
beneficente em traje de gala, e no dia subsequente funcionamento normal para o
público pagante. A noite para os críticos teve entrada franca: “única maneira
dos críticos assistirem o espetáculo”. Na estreia exigiu traje a rigor, “pois é
um teatro”.
Conforme o próprio Juca, o nome
do circo era uma sigla: S de "snob", D de "divino Dener”, R de
"ralé", U de "uanderful", W de "water-closet", S
de "Sdruws mesmo".
Juca contou que convidara para o
circo políticos, empresários e também pessoal da alta-sociedade carioca, e
antes da primeira apresentação resolveu reunir os líderes da favela para lhes
falar com franqueza, indo direto ao assunto: "Vim aqui para saber como vai
ficar o negócio do roubo!" - Uma mulher baixinha, morena (líder da
favela), foi logo respondendo com firmeza: "Olha aqui seu Juca, nós
entendemos a sua preocupação e lhe agradecemos pela sinceridade, mas pode o
senhor ficar tranquilo, porque a nossa comunidade já se garantiu e pediu
proteção à polícia!”
Olá, Dr. D'.
ResponderExcluirDia de acompanhar os comentários. Tema bombástico.
Em tempo, dia histórico para acompanhar as cerimônias do funeral da rainha Elizabeth II.
ResponderExcluirBom Dia! No meu tempo de taxista, era comum usar o corte. Nunca tive problemas.
ResponderExcluirHá muitos aspectos nessa publicação que merecem ser abordados e que dizem respeito aos rumos tomados pela sociedade. As rotinas narradas pelo Luiz mostrando uma pacífica convivência entre moradores "do asfalto e da favela" eram comuns naquele tempo. Moradores de favelas eram pessoas pobres, trabalhadores da construção civil, porteiros, empregadas domésticas, e diaristas, que levavam suas vidas de forma rotineira e pacata em uma realidade diametralmente inversa da atual, onde as favelas se transformaram em fortalezas do crime ou "currais narco-eleitorais", e essa mudança teve "vários porquês"...
ResponderExcluirAssunto desocupação de encosta no Rio sempre foi polêmico. Prato cheio para os políticos nessa época no ano.
ResponderExcluirAlta qualidade nas fotos de hoje que mostram realmente a favela com aspecto de tranquilidade. Acho que a grande mudança das favelas se deu a partir do final do século passado com o grande aumento de circulação de drogas. Drogas essas que vieram de fora pois aqui não se fabricam. Nosso país é uma peneira dada a grande extensão das fronteiras. Além disso o negócio é muito lucrativo e é dominado não por esses traficantes que conhecemos mas por gente muito importante que financia a importação.
ResponderExcluirQuanto à remoção não tenho dúvida de que o local hoje está muito melhor e posso comprovar com minha experiência pessoal já que já subi o parque da Catacumba.
Muito esperta a líder da favela respondendo à preocupação do Juca Chaves.
ResponderExcluirA lembrança que tenho da favela da Catacumba quando ali passava de carro com meus pais, é exatamente a terceira foto, retratando as lavadeiras.
ResponderExcluirBom dia Saudosistas. Favela, tema para políticos, demagogos e a esquerda festiva fazer campanha contra a pobreza, sem mover uma palha para resolver esta situação.
ResponderExcluirLino Coelho, você disse tudo. A esquerda promete "mundos e fundos" para erradicar a pobreza e nada faz de concreto, mas a favela da Catacumba foi erradicada em 1970 e naquela época "a banda tocava diferente".## Sobre a faixa vermelha no ônibus elétrico mencionado no comentário das 11:41, é bom lembrar que a faixa amarela padrão da CTC só passou a ser pintada a partir de 1964, já que a Companhia de Transporte Coletivo do Estado da Guanabara em 1° de Janeiro daquele ano. Os ônibus elétricos começaram a circular na zona sul a partir de 3 de Setembro de 1962 e eram pintados na cor azul sem qualquer faixa. Gradativamente a faixa vermelha foi pintada a partir do ano seguinte, e a partir da criação da CTC a pintura da faixa amarela foi padronizada em todos os veículos da empresa, inclusive os bondes de Santa Teresa, Campo Grande, e Alto da Boa Vista.
Excluirfoi criada
ExcluirMestre Joel infelizmente o problema de educação no Brasil, não é uma obra exclusiva das esquerdas.
ExcluirConcordo, sem contar que desde o surgimentos das favelas no Rio a esquerda se governou foram alguns anos.
ExcluirA maior parte álias foi de ditaduras e afins. Sem esquecer que até 1988 os prefeitos do Rio eram nomeados. Retirando lógico a época que fomos uma Cidade Estado.
Hey hey, dee dee, take me back to Piauí..
ResponderExcluirImpossível para mim ouvir falar do Juca Chaves sem me lembrar da canção Take me back to Piauí e da piada sobre o escotismo, que deixo de reproduzir aqui por politicamente incorreta ...
Juca Chaves dizia que o Piauí e o Maranhão deveriam se unir e formar o estado do Piranhão.
ExcluirEm tempo: a foto da Quatro Rodas é muito boa, um flagrante precioso.
ResponderExcluirExcelente edição especial do SDR sobre a removida Favela da Catacumba.
ResponderExcluirDestaque para a foto com a menina e suas latas d'água. Com certeza ela apenas foi marcar lugar na fila e algum adulto viria depois para carregar os recipientes cheios. A menina vestida para o catecismo também é um interessante momento, atualmente muito raro.
No mais temos alguns carros americanos no padrão para circular pelas ruas de Havana.
Um "chifrudo" com aquela faixa vermelha que não lembro de, na época, ter visto nos ônibus da CTC.
E um pedaço de Brasília encravado nas redondezas da Lagoa, em forma de posto de gasolina.
Hoje essa favela seria do tamanho da Rocinha ou maior.
ResponderExcluirPela história não foi invasão, a dona permitiu os primeiros barracos.
Triste e saber que foram mandados pra vila Kenedy e C. de Deus. Hoje tudo é cidade e péssimo.
Nunca houve um plano de verdade, somente especulação imobiliária.
Creio que nessa época havia chance de erradicar as favelas , agora elas que vão erradicar a cidade.
Perfeito o seu comentário, Alencar. Os "ares Montreal" estão te fazendo muito bem.
ExcluirSou de 1958 , morei minha infância toda na Praça Eugenio Jardim, bem do outro lado do morro da Catacumba. Pesquei na Lagoa com caniço de bambu e chumbinho redondo Peso, não veneno), via pedreira e outros brinquedos e nunca vi problema nenhum na Favela. Parece que antes do Rebouças o tráfego em volta da Lagoa lembrava um acidente geográfico da Mágica do Saber, bucólico. Depois veio o Viaduto AF Schmitt, e tobogã, Sdruws, etc. No filme "meus Amores do Rio aparece corrida de lancha na Lagoa, que também apareceu numa Manchete.De positivo hoje ter acabado (rezo) a mortandade de peixes na Lagoa. A catacumba da lata d´água na cabeça, do Orfeu, do Coisa Mais linda foi-se. Dica para um próximo post: o Calder (preço inestimável) que foi roubado do Parque da Catacumba e virou sucata.
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