O BONDE PRISIONEIRO,
por Helio Ribeiro
Você está se sentindo
abandonado pelos seus, está achando que trabalha de graça, que faz o bem a
tanta gente e não recebe nada em troca? Pois o bonde prisioneiro experimentava
essas mesmas sensações. Vou contar a comovente história dele.
Desde fins do século XIX
havia uma linha de bondes a burro, de nome "Inhaúma", que partia da
estação de bondes do Méier, próxima à estação ferroviária homônima, e terminava
na Praça 24 de Outubro, em Inhaúma. O percurso cruzava a linha férrea do ramal
Auxiliar, na altura da estação Cintra Vidal, próxima ao Largo dos Pilares.
No mapa abaixo, em linha
roxa está representado o traçado da via férrea e em linha vermelha, o do bonde.
As interrupções na linha vermelha foram feitas apenas para deixar visível o nome
de algumas ruas percorridas pelo bonde.
No ano de 1945 foi feita
a eletrificação da Linha Auxiliar, impossibilitando a travessia do bonde na
cancela de Cintra Vidal, isolando assim o trecho entre essa cancela e o ponto
final da linha do bonde, na Praça 24 de Outubro.
Em 07 de maio de 1945 a
Light mudou o nome da linha, de "Inhaúma" para "Pilares", e
seu percurso passou a ser somente do Méier até o Largo de Pilares. Para atender
aos moradores do trecho isolado, a Light atravessou um bonde pela cancela e o
manteve fazendo apenas tal trecho. Essa curta linha não tinha número nem nome e
não havia cobrança de tarifa para os passageiros, em virtude de acordo assinado
com a Prefeitura.
O mapa abaixo mostra em
linha roxa o traçado da linha férrea, em linha vermelha o da linha de bondes
Pilares e em verde o do bonde prisioneiro. A interrupção na linha verde foi
feita apenas para permitir a leitura do nome da rua.
Havia apenas um bonde fazendo
esse percurso. Eventualmente a Light trocava esse bonde, seja por ter
apresentado problema, seja por efeito de manutenção periódica. Desconheço como
era feita a travessia dele pela cancela.
Ao contrário de seus
amigos, que toda noite se recolhiam ao abrigo das várias estações de bondes que
havia, onde recebiam os cuidados necessários das equipes de manutenção, o bonde
prisioneiro dormia ao relento, sob céu estrelado ou sob temporal, vendo seus bancos
de peroba do campo servirem de cama para mendigos. Triste sina.
Essa vida dura fazia com
que ele se deteriorasse rapidamente, como mostra a foto abaixo, de um desses
infelizes, datada de 22/08/1948.
Como não havia rodo na
ponta da linha perto da cancela, os bondes prisioneiros eram necessariamente
bidirecionais e circulavam apenas em um único par dos trilhos originais. Quem
quisesse, por exemplo, ir do Méier até Inhaúma, pegava o bonde da linha
Pilares, saltava no largo, caminhava a pé até a cancela, atravessava-a e pegava
o bonde prisioneiro.
A foto abaixo, datada de
12/07/1951, mostra um destes bondes parado na ponta da linha junto à cancela de
Cintra Vidal. Note que o número e o nome da linha não combinam, o que não fazia
nenhuma diferença. A posição da alavanca no topo do bonde indica que ele acabou
de chegar vindo do fundo da foto. Voltará pelos mesmos trilhos.
Olá, Dr. D'.
ResponderExcluirClap, clap, clap...
Aplausos para mais uma aula do Helio sobre bondes.
A eletrificação dos ramais de trens prejudicou várias linhas de bondes. Era mais "fácil" essa operação do que esperar a prefeitura executar uma obra de viaduto, por exemplo, como aconteceu na Ana Neri.
Pelos mapas, o bonde "prisioneiro" passava normalmente pelo ramal Rio D'ouro (atual leito da linha 2 do metrô).
Fato interessante e eu não conhecia. Se fosse atualmente, no dia seguinte o bonde já estaria "depenado" pelos crackudos, já que aquela região é "problemática. Essa passagem de nível atualmente está fechada pode ser acessada pela Avenida Suburbana próximo do início da Avenida João Ribeiro. Esse tipo de "arranjo" ocorreu também em 1964 quando a recém criada CTC promoveu algumas mudanças em 1° de Maio daquele ano razão de determinação do Tenente-Coronel Américo Fontenelle. Foram criadas algumas linhas temporárias e outras foram extintas. Em um dessas mudanças a linha 70 Andaraí-Leopoldo foi extinta e o bonde passou a fazer apenas o trajeto da própria Rua Leopoldo em um "sobe e desce" e ficava baseado na esquina com Barão de Mesquita. Que viesse do Centro tomaria o 68 Uruguai-Engenho Novo, saltaria na esquina da Rua Leopoldo, e tomaria o bonde que fazia o "sobe e desce". O preço desse trajeto era o de R$10,00. Em 09 de Setembro de 1964 a linha 68 foi extinta.
ResponderExcluirFaltou um “c” no preço da passagem do bonde – 100 cruzeiros, depois de 1966, 10 centavos. Se convertēssemos 10 reais para cruzeiros da ėpoca mencionada, obterīamos Cr$ 27.500.000.000.000.000, quantia de impor respeito a qualquer parlamentar.
ExcluirBom Dia! Esse Bonde era conhecido pelos usuários como " bonde caridade". Mesmo não tendo serviço de cobrança, tinha a "guarnição" completa Motorneiro,Condutor e Fiscal. Por várias vezes vi também um Inspetor fiscalizando a viagem. Como não tinha cobrança,o "relógio" como era conhecido o marcador de passagens cobradas,era retirado durante o período em que o "carro", (bonde) estivesse rodando naquela linha. A Rua Alvaro de Miranda que na época vinha até o Largo dos Pilares,(depois que a passagem pela linha do trem foi fechada o pedaço da Alvaro de Miranda do Largo dos Pilares até a linha do trem mudou de nome.Na foto 2 o bonde está a uns 50 metros da estação Cintra Vidal.Do lado oposto o bonde que vinha do Méier entrava na Alvaro de Miranda,ia até bem próximo da estação ferroviária onde trocava de linha e voltava de ré até o largo onde a linha fazia um circulo e contornando voltava ainda de ré até o ponto próximo da estação ficando assim de frente para dar início a viagem de volta ao Méier, o que só acontecia depois que do outro lado da linha o "Caridade" viesse com os passageiros que iriam embarcar no mesmo. O Hélio tem uma foto do Bonde 86 saindo da Av Suburbana e entrando na Alvaro de Miranda e pode mostrar a minha modesta descrição.
ResponderExcluirMauro Xará contribuiu com algumas informações que eu desconhecia. Vou atualizar este tópico do bonde prisioneiro no meu site com elas. Valeu, Mauro.
ExcluirA Avenida Suburbana e a atual Avenida João Ribeiro eram o trajeto original da Estrada de Ferro Rio D'Ouro até 1928, conforme comentei aqui na semana passada. Esse trajeto ia até a estação de "Engenho do Mato", próximo ao Engenho da Rainha. Em 1928 foi inaugurada a "Variante Liberdade", atual Del Castilho, e o novo trajeto permaneceu até 1968. Atualmente é a linha 2 do Metrô. Em razão disso os trilhos da Rio D'Ouro entre Benfica e Engenho do Mato foram retirados naquela data. Até 1928 havia um possível um cruzamento dos bondes com a antiga Rio D'Ouro em Pilares antes do advento dos bondes da Light, mas "passo a bola" para o Hélio que para esclarecer
ResponderExcluirEntão quando da implantação da linha Inhaúma o bonde cruzava ainda a Rio d'Ouro. Mas na época da eletrificação da ferrovia já era o ramal Auxiliar. Mais uma informação que eu desconhecia. Vou aguardar até o fim de hoje para atualizar meu site. Os comentários estão sendo muito enriquecedores e pode vir ainda mais novidade. Eu sou partidário da filosofia de que conhecimento se deve transmitir, e não guardar para si.
ExcluirValeu, Joel.
Concordo. É a filosofia de boa parte dos blogs do Rio antigo. Repartir conhecimento sobre o Rio.
ExcluirHélio, a Rio D'Ouro e a auxiliar eram ferrovias distintas, corriam de forma paralela, juntavam-se na Pavuna, e lá separavam-se de forma definitiva. Na Pavuna havia o pequeno "Ramal Circular da Pavuna" no qual era possível acessarem-se mutuamente. Foi graças à essa configuração e devido à suspensão pela Leopoldina do ramal de Petrópolis é que em 1963 a Rio D'Ouro "alugou" seu leito entre Triagem e Pavuna para que a Leopoldina levasse seus trens cargueiros e também os expressos com destino a Três Rios e Minas Gerais através do Ramal Circular da Pavuna, São Mateus, Linha Auxiliar, Japeri, e Três Rios. Esse arranjo perdurou até 1968 com a conclusão do Ramal de Ambaí, que ligava São Bento (Duque de Caxias) a Ambaí na Linha Auxiliar, pouco antes de Japeri. Com isso os trens da Leopoldina podiam sair de Barão de Mauá, seguir até Duque de Caxias, pegar o novo ramal de Ambaí e tomar a Linha Auxiliar, e seguir para Minas Gerais, tornando desnecessário esse arranjo. Em 1968 a Rio D'Ouro foi desativada entre Triagem e Belford Roxo. Restaram os ramais acima de Belford Roxo: Xerém desativado em 1969 e Jaceruba em 1970, pois Tinguá já tinha sido desativado em 1964.
ExcluirFinalizando o comentário das 15:21, o aviso da Leopoldina datado de 30 de Março de 1963 suspendendo a circulação do ramal de Petrópolis suspendeu mas não erradicou, pois apesar de estar sucateado os moradores da região protestaram junto à RFFSA, e devido às pressões e depois de algum tempo o ramal voltou a funcionar de forma precária. Em 17 de Fevereiro de 1964 um descarrilamento entre as estações do Alto da Serra e Meio da Serra causou a morte de seis pessoas e ferimentos em cerca de trinta. Novamente o ramal teve sua circulação suspensa e foi erradicado "de trás para frente": em Maio de 1964 foi suspenso o trecho entre Três Rios e Nogueira, em Junho foi suspenso entre Nogueira e o Centro de Petrópolis, e o Alto da Serra, e em 05 de Novembro deixou de circular definitivamente. Até hoje a circulação de trens termina em Vila Inhomirim, Raiz da Serra de Petrópolis.
ExcluirVeio à memória a cancela que havia na Alvaro de Miranda...Bons tempos!
ResponderExcluirque vai esclarecer
ResponderExcluirHélio, quanta diferença.
ResponderExcluirQuando o texto saiu no blog de Inhaúma, várias pessoas deram informação sobre o bonde no Facebook, mas foram incapazes de ir ao blog colocá-las lá.
O Mauro de forma espetacular resumiu o trajeto do bonde.
Mauro, se puder comentar no blog de Inhaúma o seu relato ficarei agradecido.
https://historiasdeinhauma.blogspot.com/2020/11/hoje-apresento-o-texto-de.html?m=1
Farei amanhã.
ExcluirUma estória pitoresca e muito bem detalhada. Parabéns ao Sr. Helio pelo trabalho.
ResponderExcluirExiste uma foto de 1918 bem conhecida na internet mostrando a linha da Rio D'Ouro margeando a então "Estrada da Pavuna", que nada mais era do que a atual Avenida João Ribeiro. Durante muito tempo fiz pesquisas bastante aprofundadas sobre a E.F.Rio D'Ouro e tive acesso à alguns dados e fotos interessantes, inclusive mostrando trilhos em bitola métrica na Avenida Suburbana entre Vieira Fazenda (Jacarezinho) e Pilares. Esses trilhos faziam parte do trajeto original da Rio D'Ouro e isso dá margem a muitos questionamentos.
ResponderExcluirJoel, quem sabe o Luiz se interesse por uma postagem sobre a Rio d'Ouro, a ferrovia menos conhecida das que houve no Rio? Eu tive um sítio cujo acesso era por uma estradinha que saía do km 50 da Rio d'Ouro, perto de Xerém.
ExcluirBoa tarde Saudosistas. Manhã atribulada para mim. Hoje uma aula do mestre Hélio, com esclarecimentos dos mestres Mauroxará e Joel, espetacular detalhamento dos trajetos das linhas, bem como a história do bonde caridade, detalhes que desconhecia sobre a história dos bondes na cidade do RJ. Muito boa esta postagem de hoje, servindo exatamente aos propósitos do SDR. Meus Parabéns aos mestres pela postagem e comentários de esclarecimento.
ResponderExcluirExcelentes comentários, com muitas informações. Todos devidamene arquivados. Obrigado
ResponderExcluirVoltando por aqui,verifiquei que foi perguntado como a troca do Caridade era feita. A cada duas semanas um caminhão REO da Ligth munido de um cambão pegava o bonde que era desconectado da rede elétrica e era trazido para o outro lado da Alvaro de Miranda onde novamente subia a ligação com a rede elétrica e o carro estava apto a seguir viagem que normalmente era para Triagem onde iria passar por revisão antes de voltar para a seção "M" (estação Méier). Para que o substituto que iria rodar na linha Caridade era feito o mesmo serviço só que desta vez era ao inverso para colocar o novo carro do outro lado. Ao contrario do que muitos acham os carros(bondes) não eram arrastados e sim puxados pois a linha cruzava com a dos trens sem interrupções, apenas a rede aérea é que não se cruzava. O mesmo acontecia no cruzamento com a Rio Douro em Inhaúma,sendo que lá não era eletrificada por isso o bonde cruzava a linha férrea.
ResponderExcluirInteressante esse arranjo, um quebra-galho. Isso que eramos a Capital. Hoje so passaria por ai com a autorização da milicia/traficantes.
ResponderExcluirNão conheço a área, mas tive ótima aula. Muito boa a faísca e as luzes sucessivas das informações!
ResponderExcluirCaso queiram conhecer um pouco mais sobre Inhaúma, convido todos para ver o blog Histórias de Inhaúma.
ResponderExcluirCuriosidades como:
O nome da rua Álvaro de Miranda.
As primeiras ruas do bairro.
O projeto esquecido de Oscar Niemeyer.
A Rua Guarabu e sua famosa cantora.
Padre Januário
A sede do Engenho da Rainha e a família Palatnik
O santo efêmero de Inhaúma.
Cinema Inhaúma.
E outras histórias de um dois bairros mais antigos do Rio.
https://historiasdeinhauma.blogspot.com/?m=1
Agradeço ao Joel e ao Mauro Xará pela valiosas informações. Vou atualizar o meu site e dar-lhes lá o devido crédito. Quando concluída a atualização, peço permissão ao Luiz para noticiar isso na postagem do dia do SDR.
ResponderExcluirClaro
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