ESCOLA SOARES PEREIRA (parte 1 de 2), por Helio Ribeiro.
ATENÇÃO, POR FAVOR ==> sei que muitas pessoas não têm paciência para ler textos e preferem apenas ver figuras ou fotos. Mas hoje peço a todos que pelo menos leiam o prólogo que se segue.
PRÓLOGO
Estudei na Escola Soares Pereira desde o jardim da infância até a quarta série primária, entre 1953 e 1957, mas nunca me ocorreu obter maiores informações sobre a escola. Há alguns dias o SDR fez uma postagem sobre a Escola Argentina, atual Sarmiento. Isso me aguçou a curiosidade para saber mais sobre a escola onde eu estudara. No Google só encontrei uma brevíssima referência de quatro linhas numa página do Facebook. Pensei em desistir da pesquisa. Então resolvi entrar na hemeroteca da Biblioteca Nacional e ali fui surpreendido com uma quantidade imensa de informações sobre a escola. Fiquei muito impressionado e emocionado com o que li. Nunca imaginei quão bela é a história da escola e a importância dela para os alunos de seus arredores. É essa história que passo a narrar doravante e que espero mereça a atenção de todos. Eu, que não sou de me orgulhar de nada, senti orgulho de ter estudado em escola de tão nobre história.
Por ser texto grande, com muitas fotos, dividi o material em duas partes, publicadas em dias seguidos: a primeira descreve a história da escola, obtida da hemeroteca; a segunda contém meus relatos pessoais da época em que lá estive.
Espero que outros visitantes se animem e também descrevam suas respectivas escolas. Seria um bom material para o SDR, além de tirar do armário gratas recordações que todos nós temos da nossa infância e adolescência.
O senhor José António Soares Pereira nasceu em
22 de março de 1840 na vila de Arcos de Valdevez, freguesia de Santa Marinha de
Prozelo, no Alto Minho. Emigrou para o Brasil em 1855 e casou-se em 27 de julho
de 1872 com dona Maria do Nascimento Soares Pereira, brasileira.
A foto abaixo, com as limitações típicas da
imprensa da década de 1920, mostra o casal.
Nos primeiros anos no Brasil não há registro de
sua atividade. Mas em fins de 1883 ele virou árbitro nas questões de calçado,
couros e malas. E posteriormente foi considerado perito nesse métier.
Em 24 de junho de 1885 leiloou todo o mobiliário
de sua residência e foi para a Europa com sua família, a bordo do paquete
Congo. Retornou meses depois e foi morar na rua Conde de Bonfim, número 186
(atual 706), na esquina com a rua Uruguai, ali residindo durante os 40 anos
seguintes.
Ao longo dos anos adquiriu grande fortuna: tornou-se
comendador e era sócio, irmão, provedor ou conselheiro de muitas empresas, entidades
beneficentes e instituições religiosas. Migrou para o ramo de tecidos e
posteriormente para o de seguros. Seria
longo relacionar aqui todas as suas atividades profissionais e de benemerência,
que são impressionantes.
Doou sua antiga casa em Prozelo para ali ser
instalada uma escola mista, dotando-a de todo o equipamento necessário e
deixando 50 apólices da Dívida Pública Brasileira para manutenção da escola,
que foi inaugurada em 1 de janeiro de 1922.
Faleceu em 18 de janeiro de 1925, em sua
residência, sendo enterrado no Cemitério de São Francisco de Paula.
O senhor José dava muita importância à educação
e à filantropia, não só no Brasil como além-mar. Um mês antes de morrer, doou
para o Retiro da Velhice da Beneficência Portuguesa, situado em Jacarepaguá, a
importância de 5:000$000. Mas já vinha fazendo doações para lá, antes.
Em testamento, deixou muito dinheiro para várias
instituições de caridade e religiosas.
Também em testamento deixou um legado para a
Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez, para construção de um asilo para
inválidos na freguesia onde nascera, Santa Marinha de Prozelo. As fotos abaixo
mostram o Lar Soares Pereira, em dois momentos, após grandes reformas ocorridas
em 1980 e 2004. Abriga 85 pessoas.
Em vista de sua preocupação com a educação,
pediu a sua esposa que quando ele morresse uma parte do espólio fosse usado na
construção de uma escola na área onde eles moravam, seguida da doação da escola
à municipalidade. Na época a Tijuca abrigava muitas fábricas e os filhos dos
trabalhadores pobres não tinham opções de estudo.
II) A IDEIA POSTA EM PRÁTICA
Uma vez falecido o senhor José António, sua
esposa cumpriu a promessa: entrou em contato com o prefeito Alaor Prata e expôs
sua intenção. O prefeito, em 1926, cedeu um terreno de 3.000 metros quadrados
para a construção da escola, no entroncamento da avenida Maracanã com a rua
Pinto Guedes. Esse entroncamento é em ângulo, formando um "V". Ao
lado desse terreno estava prevista a construção de uma praça, em terreno cedido
à Prefeitura pelo general Serzedello Corrêa. A praça foi construída por volta
de 1928 e batizada como Praça Comandante Xavier de Brito. É conhecida como
"praça dos cavalinhos" e todo tijucano a conhece.
O arquiteto paulista José Amaral Neddermeyer foi
o autor do projeto do prédio, em estilo neo-colonial luso-brasileiro.
Foto da escola, na época de sua fundação. O
corpo principal permanece inalterado até hoje.
O prédio apresenta planta em "V" e
tem em destaque o pequeno acesso avarandado com seis colunas toscanas de
granito e frontão ondulado, ostentando na parte de cima o nome da escola. O
projeto previa oito salas de aula, sendo quatro em cada lado do "V",
com capacidade para 400 alunos por turno. Cada sala tinha 46 metros quadrados,
com duas altas portas de acesso. Em virtude de o rio Maracanã atravessar a
parte traseira do terreno, duas salas não puderam ser construídas e a
capacidade da escola foi reduzida para 300 alunos por turno. Parte da escola (o
corpo principal e o pátio de recreio) ficou em uma das margens do rio e na
outra ficaram o pavilhão sanitário e a casa do zelador, sendo essas partes ligadas
por uma ponte coberta. Cerca de dois anos após a inauguração foi mudado o curso
do rio e as duas salas previstas foram construídas, retornando assim ao projeto
original.
Mapa da região da escola, mostrando o rio
cortando o terreno da mesma antes da retificação.
III) A INAUGURAÇÃO
A inauguração se deu às 10 horas da manhã do
dia 22 de março de 1927, com a presença do prefeito, senhor Prado Júnior. Era a
mesma data do nascimento do senhor José António Soares Pereira, idealizador da
escola. Na ocasião foi feita a doação para a municipalidade. Tanto a construção
quanto o mobiliário da escola, considerado pela imprensa como de primeira
qualidade, correu às expensas da esposa do senhor José António, dona Maria do
Nascimento, que faleceu a 4 de outubro de 1932.
A escola foi enquadrada no 7º Distrito
Educacional e recebeu inicialmente os alunos da escola Casimiro de Abreu, a de
número 10 do distrito educacional, daí ter como nome oficial Escola 10-7 Soares
Pereira. Posteriormente foi reclassificada como 4-7. Na época em que lá
estudei, era a 5-7.
IV) IMPORTÂNCIA DA ESCOLA
O 7º Distrito Educacional cobria vasta área,
desde o Engenho Velho até a Usina. Em virtude disso, as escolas distavam muito
umas das outras. Na área da Muda da Tijuca não havia nenhuma. Os alunos daquela
região tinham de andar até quinze minutos para chegar a uma escola. Daí a
importância que a Soares Pereira adquiriu na época.
V) INICIATIVAS PIONEIRAS DA ESCOLA
a) Copo de Leite ==> em 31 de agosto
de 1930, os professores, um grupo de pais de alunos e de amigos da escola se
reuniram e resolveram a partir daquela data distribuir um copo de leite aos
alunos, no recreio, por haverem percebido que muitos chegavam à escola em jejum
e sem merenda, ou subnutridos. Em boa parte, eram filhos de trabalhadores das
indústrias dos arredores e muitos moravam nos morros adjacentes. A despesa era
bancada pela Caixa Escolar, mantida pelos próprios professores, pelos amigos da
escola e pelo Círculo de Pais. A iniciativa foi notícia em vários jornais da
época.
b) Estádio esportivo ==> há tempos a
inspetora do 7º Distrito Educacional pensava em construir um campo de esportes
para os alunos daquele distrito. Um grupo de alunos da Soares Pereira tomou a
si a tarefa e para isso se valeram do grande espaço livre existente na parte
traseira do terreno da escola. Em 21 de julho de 1931 foi inaugurado na escola
um estádio com aparelhos de ginástica e de jogos, construídos pelos próprios
alunos, sob supervisão dos pais. Para isso, trabalharam aos domingos e às
quintas-feiras, além de nos 15 dias das férias de junho. Foi criado assim o
Club Sportivo Soares Pereira, com regulamento e tudo. A matéria completa se
encontra na edição de 16 de julho de 1931 do Diário da Noite. É impressionante
o que ali está descrito.
Abaixo, uma foto do estádio, com as
deficiências de resolução típicas de fotos de jornal.
c) Centro Cívico ==> em 04 de
novembro de 1940 foi inaugurado na escola o Centro Cívico Affonso Celso,
fundado pelos alunos, sob a direção da senhora Ermelinda da Silveira Tomás
Alves, na época diretora da escola. Não encontrei descrição sobre os objetivos
desse centro, mas foi notícia em vários jornais da época.
d) Material didático ==> em agosto de
1956 as professoras Joselyta Araújo de Assis Mascarenhas e Maria Ignês de
Castro Gonçalves idealizaram e publicaram o "Meu Álbum de Conhecimentos
Gerais", considerado inédito na didática brasileira. Eram várias folhas
soltas contendo desenhos sobre aspectos culturais brasileiros os mais diversos:
flora, fauna, festas populares, etc. A professora que usasse o álbum escolhia
um tema, distribuía as folhas e dissertava sobre eles.
VI) CORPO DOCENTE DA MINHA ÉPOCA
OBS:
Os nomes completos das pessoas foram obtidos da hemeroteca da Biblioteca
Nacional, em vasta pesquisa.
Quanto
ingressei no jardim da infância, em 1953, a diretora era a sra. Dulce Diniz do
Nascimento e Silva, que faleceu em 23/06/1954. A ela se sucedeu a senhora
Ocília Chaves.
Lembro-me de várias professoras, e aqui
expresso meu preito de gratidão a elas, pelos ensinamentos que nos ministraram
e que nos acompanham a vida toda. Seguem fotos delas, com indicação da série em
que as tive como professora.
Professora Alayde Soares Freire, primeira série primária, ano 1954.
Professora Celina Carneiro Leão dos Reis,
segunda série primária, ano 1955.
Professora
Marita Gomes Costa, terceira série primária, ano 1956.
Professora
Marina Assumpção, quarta série primária, ano 1957.
Professora
Adiléia Araújo Góis de Matos. Lembro-me dela, mas não sei se foi minha
professora. Porém o foi do meu irmão, no jardim de infância. Talvez tivesse
sido minha também, naquela época.
Abaixo segue foto da turma de jardim da
infância do meu irmão, porque não disponho de fotos da minha turma da época.
Professora Adiléia à direita. Não me lembro se tínhamos de usar essa roupa
branca no jardim da infância.
Olá, Dr. D'.
ResponderExcluirExcelente texto do Helio. Minha primeira escola foi a Paraná, na Ernani Cardoso. Fiquei somente um ano, nas primeira e segunda séries (isso mesmo...), por falta de vaga na escola onde estudavam meus irmãos. No ano seguinte, consegui ser transferido para lá e fiquei o resto do primeiro grau.
Tenho poucas lembranças da Paraná, praticamente somente do dia que não tive aula e minha mãe já tinha ido embora de volta para casa, mas antes passaria no supermercado. Alguém da escola a conhecia e me levou até o supermercado para me encontrar com ela. Foi um dos dias que eu mais fiquei apreensivo. Isso com seis anos...
A partir de 1979 e até 1984 estudei na escola Rugendas, na Padre Manso. Essa escola foi fundada em 1964, provavelmente desmembrada da Paraná, até porque havia uma ligação física entre as duas.
Depois que eu saí, durante algum tempo, as duas escolas tiveram uma espécie de integração. A Rugendas ficou com as turmas de primário e a Paraná com o ginásio.
Frequento no FB um grupo com ex-alunos da Rugendas, onde temos notícias de ex-colegas e ex-professores.
Sobre o grupo do FB, minha irmã também participa e recentemente descobri uma foto da turma de primeira série do meu irmão, de 1970. Recentemente, também recebi, via grupo, a notícia da morte de dois ex-professores. A da minha professora do primário (terceira e quarta séries) e do meu professor de matemática de todo o ginásio. Ele também deu aula para os meus irmãos. Dois dos professores que mais marcaram a minha vida estudantil.
ExcluirMUITO BOM.
ResponderExcluirMeu pai também estudou nesta escola. Ele nasceu em 1916 e provavelmente, participou das primeiras turmas. Sempre que passávamos em frente, de carro, ele tinha orgulho de dizer que lá estudou.
ResponderExcluirMuito boas essas lembranças dos primeiros anos de escola.
ResponderExcluirComo há benfeitores muito afora. Louvável esta iniciativa de ajudar os mais necessitados.
Vivas ao Soares Pereira.
A Escola Soares Pereira é bem conhecida na Tijuca e é ponto de referência. A Avenida Maracanã a partir do cruzamento com a rua Dr. Otávio Kelly sempre foi uma "via morta" com pouco ou nenhum movimento. Como curiosidade e de acordo com dados contidos em pesquisa do próprio Hélio, a rua Pinto Guedes e a própria Escola estariam no traçado da E.F da Tijuca que operava os bondes elétricos do Alto da Boa Vista e funcionou entre 1898 e 1907.
ResponderExcluirRealmente, E.F. da Tijuca partia da esquina das ruas Conde de Bonfim com Doutor Octávio Jelly, virava na Pinto Guedes, fazia um trajeto pela que seria posteriormebre a rua São Miguel e chegava na confluência com a Estrada Nova da Tijuca, posteriormente avenida Edison Passos. Daí subia para o Altobda Boa Vista.
ExcluirEu ainda suspeito que entre a Estação inicial, que ficava na altura da Rua Dr. Otávio Kelly e as instalações da "Usina de Força", existia uma Estação intermediária ou uma "parada" que de acordo com a foto ficaria na Conde de Bonfim onde havia uma ponte sobre o Rio Maracanã que a ligava com a "futura" rua São Miguel, e que ficaria na altura da antiga "Fábrica de cigarros Souza Cruz". De qualquer forma contínuo investigando.
ExcluirBom Dia! Acredito que todos nós temos gratas recordações da primeira escola,cada um achando que a sua era a melhor. quem sabe alguém lembrará do Colégio Dois de Dezembro.
ResponderExcluirSó para esclarecer: eu não disse que minha escola era a melhor. Disse que tinha uma bela história e que teve papel importante na sua área, ao possibilitar ensino para as crianças da região.
ExcluirDesde a nossa independência falasse muito mas nossa educação continua capenga. O tesultado vemos todo dia.
ResponderExcluirCreio que todos temos boas lembranças do primário.
Boa noite Saudosistas. Hoje foi dia de ir para a casa dos netos, só agora retornei. O Documentário do mestre Helio Ribeiro, é de uma qualidade fantástica, uma pesquisa profunda sobre o benfeitor que não só deu nome a escola, mas também patrocinou a sua construção, bem como outras obras de interesse social e educacional em nossa cidade. É uma pena que nossos atuais milionários, não tenham esse desprendimento de fazer doações a entidades educacionais, como é muito comum vermos nos USA e Europa. Parabéns ao mestre Hélio pelo brilhante trabalho de pesquisa.
ResponderExcluirHoje os milionários no Brasil criam "fundações" na maioria das vezes para conseguir deduções do imposto de renda.
ExcluirObrigado aos que se deram ao trabalho de ler o texto. Amanhã continua, porém com minhas impressões e vivência na escola.
ResponderExcluirEstudei nessa escola de meados da década
ResponderExcluirde 60 ao final da década de 70. Ótimas lembranças