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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

PONTE DA LIGHT NO ENGENHO NOVO

Nova colaboração do prezado Helio Ribeiro para o “Saudades do Rio”.

OBS: Tecnicamente, este texto diz respeito a uma construção do tipo viaduto, porém a imprensa da época a chamava de "ponte", por isso mantivemos este termo.

No ano de 1872 foi fundada a Companhia Ferro-Carril da Vila Isabel. A primeira linha foi inaugurada em 29/11/1873 e tinha como final o antigo zoológico, situado na atual rua Visconde de Santa Isabel. Em 1874 a linha foi estendida até a estação de trens do Engenho Novo, onde chegava pelo lado esquerdo da via férrea (de quem vai para os subúrbios). 

Por sua vez, em 1879 foi fundada a Companhia Ferro-Carril do Cachamby, que ao longo dos anos criou linhas para os bairros do Engenho de Dentro, Todos os Santos, Engenho Novo e Cachamby, saindo da estação construída na rua Arquias Cordeiro, próximo à estação ferroviária do Méier.

Todas as linhas da companhia Cachamby circulavam pelo lado direito da ferrovia, ou seja, pelo lado do atual Jardim do Méier.  Os passageiros vindos pelas linhas da Vila Isabel que desejassem passar para as da companhia Cachamby tinham de descer no final da linha do Engenho Novo e atravessar a cancela, embarcando do outro lado nos bondes da Cachamby. E vice-versa. 

Com a compra da Cachamby pela Vila Isabel em junho de 1886, inicialmente esse transbordo entre linhas não era cobrado, mas no ano de 1897 a Vila Isabel alegou grande prejuízo e acabou com essa gratuidade. 

Em 1899 a Vila Isabel foi comprada pela Brasilianische Elektricitäts Gesellschaft (BEG), que havia instalado as linhas telefônicas na cidade. A BEG encomendou 55 carros-motores e igual número de reboques a uma empresa alemã da cidade de Colônia, a Van der Zypen & Charlier. Enquanto os bondes não chegavam, foram instalados os geradores e a rede aérea.

Em 01 de Julho de 1905 rodou o primeiro bonde elétrico na Zona Norte, entre a Praça Tiradentes e a rua do Matoso. A malha             foi se expandindo e em 10 de março de 1907 a tração elétrica foi inaugurada na linha do Engenho Novo. 

A foto abaixo mostra um desses bondes alemães circulando pelo lado par da atual avenida Presidente Vargas. 


Em 1907 três companhias de bonde (exceto a de Santa Teresa) operavam na cidade: a Companhia de Carris Urbanos, a São Cristóvão e a Vila Isabel. Em 25 de junho desse ano as três se fundiram e em 06 de novembro a Light se tornou fiadora dessa unificação, passando na prática a ser dona das três companhias.  

Uma das iniciativas da Light foi acabar com o transbordo de linhas no Engenho Novo. Na falta de uma travessia ferroviária, foi decidido construir uma ponte sobre a via férrea, ligando a rua Arquias Cordeiro à rua Vinte e Quatro de Maio, onde esta se bifurcava com a rua Lins de Vasconcelos. A ponte seria totalmente metálica e os bondes elétricos da Vila Isabel a atravessariam, em via dupla. Nâo consegui descobrir a data em que ela foi inaugurada.

As fotos abaixo mostram uma panorâmica da ponte e um close do bonde que a está descendo em direção à rua Arquias Cordeiro. 



A posição aproximada da ponte é mostrada na imagem abaixo.     


Infelizmente a ponte se tornou um local apropriado para suicidas. Várias pessoas se atiraram dela. Algumas morreram, outras se feriram gravemente. Abaixo se vê a notícia de um desses casos. 


Ocorre que em 1921 foi feita uma elevação do leito da via férrea, no trecho entre as estações de Sampaio e um pouco além da Engenho Novo. Com isso foi possível abrir uma passagem sob a via férrea e os bondes que precisavam cruzar a ferrovia não mais necessitaram passar pela ponte, tornando-a obsoleta. 

Abaixo se vê uma foto dessa passagem, erroneamente chamada de "buraco do padre". 

 


A Light então vedou com tapumes o acesso à ponte, para evitar novos suicídios.

Finalmente, em 1925, a Light resolveu desmontar a ponte. Como lembrança trágica da sua existência, ficaram os suicídios e a morte do poeta e jornalista Marcelo Gama, como narrado na notícia abaixo, que dá conta também do desmonte.  

Foto do poeta Marcelo Gama.  




16 comentários:

  1. Eu me mudei para o Engenho Novo em 1973 e lá resido desde então, exceto entre 1998 e 2006. E nunca tinha ouvido falar dessa ponte. Descobri-a por acaso durante uma pesquisa por fotos de bonde no MIS, na década de 2010.

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  2. Olá, Dr. D'.

    Dia de acompanhar os comentários. Todo viaduto é uma ponte mas nem toda ponte é um viaduto.

    Sempre tive curiosidade de saber como era o cruzamento entre os trens e os bondes, especialmente depois da eletrificação do ramal da EFCB. Provavelmente outras estruturas do tipo foram usadas ao longo da via férrea, especialmente onde não havia desnível.

    Em alguns lugares, como em Cascadura, precisou-se construir um viaduto, até mesmo antes da eletrificação.

    FF: ontem à noite uma briga de "torcedores" durante o jogo do Brasil acarretou na prisão de mais de trinta elementos, divididos entre atleticanos e cruzeirenses. Outro resultado foi alguns deles internados em estado grave. O Brasil ter vencido a (horrível) seleção paraguaia foi um mero detalhe. Esses mais de trinta provavelmente já estão soltos.

    FF2: espero que tecnicidades jurídicas não abreviem a temporada na cadeia dos assassinos do congolês. As provas estão claras, com as imagens do próprio estabelecimento. A maioria dos assassinos usava roupas alusivas a clubes de futebol ou à seleção brasileira.

    Um dos presos alegou que "não queria matar...".

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  3. Muito interessante e esclarecedora essa postagem, particularmente para quem morou ou tem algum interesse nesse antigo bairro da zona norte do Rio. Assim como o autor do registro morei nesse local de 1949 a 1961 quando me mudei para a Esplanada do Castelo. Tive a oportunidade de assistir algumas alterações do bairro, inclusive a ocupação do terreno da então denominada favela Céu Azul, incentivada por um político da época, o vereador Manoel Novela. Como outras regiões da cidade o tempo, e outros fatores, foram responsáveis pela degradação de certas áreas residenciais do local, particularmente nas proximidades da r. Souza Barros, r. Bolívia etc. Lembro que esse trecho era ocupado por residências de classe média, algumas imponentes e com razoável conforto.
    Foi oportuna a distinção entre o viaduto e o popular Buraco do Padre, este uma passagem de pedrestes sob a via férrea que liga a r. Vinte e Quatro de Maio e a r. Monsenhor Amorim, endereço da igreja de Nª Sra. da Conceição.
    Como curiosidade o Engenho Novo vez por outra era mencionado pelo político Carlos Lacerda que lembrava da época em que esteve ali foragido de perseguição política nos tempos em que integrava as hostes do PCB em sua juventude.

    Algumas personalidades da época também foram moradores desse bairro como o locutor Carlos Pallut e o maestro Carioca, cuja nora hoje é minha vizinha.

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    1. Andando pelas ruas internas do Engenho Novo e do Lins depara-se com esmeradas casas, relativamente antigas, com quintal, varanda, jardim e muros baixos. Deve ter sido um local muito bom para se morar. Quanto à invasão de terreno no Engenho Novo, recentemente (no governo do Pezão) invadiram o terreno da Oi (Telemar) na rua Dois de Maio. Parece incrível, mas conseguiram expulsar os invasores e hoje temos um condomínio e um conjunto residencial no terreno.

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  4. Em tempo e ainda FF, ontem faleceu aos 90 anos o ator e dublador Isaac Bardavid, conhecido pela voz marcante. Nos últimos trinta anos era a voz oficial do personagem Wolverine, dos X-Men, e nos anos 80 era a voz do Esqueleto, rival do He-Man. Recentemente também era a voz do Anthony Hopkins nos filmes da Marvel.

    Fez novelas e séries, mas se destacava mesmo na dublagem.

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  5. Excelente aula de história! E por isso que frequento o blog.

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  6. Bom Dia! Ainda hoje está lá,e pode ser visto o que se pode chamar de "início" da referida ponte.

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  7. No local existe a estação ferroviária de Silva Freire. As "Circunscrições Policiaes" na época do suicido narrado no jornal da época eram bem mais abrangentes e diferentes das atuais. O citado 19° Distrito Policial abrangia Méier, Engenho Novo, Cachambi, e outras localidades. Hoje não existem mais Distritos Policiais e sim Delegacias Policiais. A 19 DP atualmente cobre parte da área da Tijuca. FF: ontem uma mulher acompanhada de seu filho de 17 anos ao sair da Washington Luiz entrou por engano na Cidade Alta em Cordovil, teve seu carro atacado a tiros por traficantes daquela favela, seu filho foi ferido na cabeça, e seu estado gravíssimo. Nenhuma manifestação da mídia, de partidos políticos de esquerda, da OAB, da Anistia Internacional, da Defensoria Pública, e de muitas outras Instituições, algumas bem "menores" do que se imaginam. Só um detalhe: ambos são brancos. E agora, o dizer? Será que as "vidas brancas não importam?" Para essas entidades citadas certamente não, pois essas vítimas não se enquadram nos conceitos de vítimas da sociedade, não são credores de algum tipo de "dívida histórica", não residem em locais onde gravitam interesses de tráfico de drogas (leia-se favelas), não são transsexuais, travestis, ou lésbicas, não são traficantes ou seus familiares, e não foram baleados por Policiais. Dessa forma não despertam interesse daqueles que lucram com a subversão dos valores fungiveis, políticos, e morais.

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  8. Respondendo ao Augusto, 07:40h não eram muitos os cruzamentos de linhas de bonde com as de trem. Senão, vejamos:

    1) em Benfica ==> antes da eletrificação da ferrovia, era um cruzamento em nível, com cancela. Depois da eletrificação, foi construido o viaduto Ana Néri.

    2) em Pilares, na linha de Inhaúma ==> idem antes. Depois, não houve mais cruzamento. Entre Pilares e Inhaúma ficou preso um bonde para fazer apenas esse trajeto. No meu site explico em detalhes.

    3) no Engenho Novo está descrito na postagem de hoje.

    4) em Cascadura foi construído o viaduto, por volta de 1930.

    5) em Madureira/Magno, se não me engano, cruzamento em linha com o ramal Auxiliar da ferrovia, antes. Depois, não mais.

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    1. Helio, sobre o viaduto de Cascadura há boa documentação iconográfica acerca da construção do mesmo. O mesmo em relação à passagem de nível em Magno e a construção do viaduto de Madureira. Este inclui postagem no site do Andre Decourt.

      O viaduto de Madureira não tinha linhas de bonde passando por ele, certo? Diferente do viaduto de Cascadura.

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    2. Certo. Só o de Cascadura.

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  9. Hélio, em Benfica havia dois cruzamentos ferroviários. O primeiro deles pertencia ao ramal inicial da E.F. Rio D'Ouro que tinha início na Quinta do Caju, seguia paralelamente à atual Prefeito Olímpio de Melo, cruzava com atual São Luiz Gonzaga, seguia pela Avenida Suburbana e pela atual Avenida João Ribeiro em Pilares, até ao local conhecido como Engenho do Mato, próximo ao Engenho da Rainha, seguindo daí o traçado conhecido e que atualmente faz parte da Linha 2 do Metrô. Em 1922 foi inaugurada a estação de Francisco Sá e os trens de passageiros partiam da Praca da Bandeira. Em 1928 foi inaugurada a "Variante Liberdade", antiga denominação de Del Castilho e a partir daí os trens da Rio D'Ouro passaram e seguir por Del Castilho e o ramal de Engenho do Mato foi erradicado.

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  10. Lindas Palmeiras Imperiais ao longo da Presidente Vargas. Na segunda-feira fomos almoçar no Bar Lamas e tivemos a agradável surpresa de achar uma vaga na Rua Paissandu, repleta de palmeiras imperiais, deve ser a rua mais bela do Rio de Janeiro.

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  11. Mais um show de pesquisa do Hélio.
    Já tinha visto fotos dessa ponte, mas não conhecia detalhes de sua história.
    Naqueles tempos os suicídios, e tentativas, envolviam bem mais motivações por questões de orgulho ferido. Desde questões de amor até de finanças.
    Conforme lemos no texto a passagem sob a via férrea é chamada erroneamente de "Buraco do Padre". A original, citada pelo Docastelo, é a de pedestre entre a Rua Monsenhor Amorim e a 24 de Maio.

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  12. O personagem Bentinho, de Machado de Assis, morava no Eng Novo. E regularmente se locomovia para o Centro de trem. Tornou-se carrancudo, por conta das agruras da vida, o que lhe valeu a alcunha de Dom Casmurro.

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  13. Augusto, 12:20h ==> eu tenho foto da colocação dos trilhos no viaduto de Cascadura. Em cima do mesmo está o bonde de serviço 698.

    Numa outra foto, provavelmente após a inauguração do mesmo para bondes, aparece o bonde 302 fazendo a linha Taquara.

    Na época em que eu fiz minhas anotações sobre bondes (1962/66) nenhuma linha atravessava o viaduto. Só no caso de ser necessário levar ou trazer um bonde da seção Méier. Mas até início da década de 1950 havia a linha 88 - Méier x Praça Barão de Taquara.

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