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segunda-feira, 8 de maio de 2023

REVISITANDO A COMPORTA DO JARDIM DE ALÁ

 

Na semana passada recebi esta fotografia aérea da Aviação Naval, de J. Kfuri, com data de 1921, três anos após ter sido feita a ligação entre Ipanema e Leblon, pela primeira ponte entre a Vieira Souto e a Delfim Moreira.

Parece mostrar que, na época, não existia uma ligação aberta entre o mar e a lagoa, sendo a comunicação apenas dependente das marés.

Aliás, esse canal, outrora natural, entupia com frequência por assoreamento. Até 1893 a União era responsável por sua manutenção. Em 1893, esse serviço passou para a municipalidade, que o terceirizou em 1896 para a empresa “Companhia de Melhoramentos da Lagoa e Botafogo”, que logo se mostrou ineficaz. Em consequência disso, as enchentes e a mortandade de peixes infernizavam os bairros circundantes da Lagoa. O canal só foi perenizado há cerca de 100 anos pelo engenheiro Saturnino de Brito por ordem do Prefeito Carlos Sampaio para manter limpa e salgada as águas da Lagoa.


Esta foto, do acervo do A. Silva, disponibilizada pelo Francisco Patricio, mostra as obras de construção do canal do Jardim de Alá, com a instalação de uma comporta junto à orla.


Meu amigo Odone Bisaglia me enviou esta foto, do acervo de Nema Kastrup (fotos semelhantes estão disponíveis no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro). Pertenciam ao avô dela, o engenheiro J. C. Kastrup, homem empreendedor, elegante, vaidoso, que gostava muito de corrida de cavalos e que participou da construção. Ele aparece nas fotos com seu terno de linho e com seu chapéu de palha - um autêntico carioca. A comporta, construída provavelmente por volta de 1926, quando o Prefeito Carlos Sampaio determinou o saneamento da Lagoa e o engenheiro Saturnino de Brito, após cuidadoso estudo, canalizou rios e retificou o canal do Jardim de Alá (que liga o mar à lagoa), além de criar duas ilhas artificiais, a dos Caiçaras e a do Piraquê. Com isto, a água que era doce, passou a ser salobra, e diminuíram as mortandades de peixes e as enchentes da época das chuvas. A partir deste saneamento muitas chácaras foram loteadas e começaram a surgir as ruas do entorno da Lagoa.


Esta comporta feita para a Lagoa é a que de fato funcionou graças à teoria do Saturnino de Brito de que a Lagoa tinha que ser salgada e não doce, para combate do lodo, mosquitos e da malária que grassava na região em pleno séc. XX. A primeira comporta era mera extravasadora, o que mantinha a Lagoa totalmente com água doce.

No grupo junto ao automóvel estão identificados "Freire, Dr. Saturnino, Dr. Duarte e Kastrup".


Como já contou o Decourt, na realidade são três comportas que existem no entorno da Lagoa, funcionando como um grande sistema de vasos comunicantes. As da Visconde de Albuquerque e Gal. Garzon evitam que a água doce das bacias do Jardim Botânico e Gávea entrem na Lagoa e só são abertas em caso de risco de transbordamento. Já a do Jardim de Alah tem duas funções: esvaziar a Lagoa quando por causa das chuvas a comporta da General Garzon e as galerias de águas pluviais trazem o risco da Lagoa transbordar, e na maré alta, para permitir a entrada de água salgada para Lagoa, fechando logo em seguida, na seca da maré, para manter o nível das águas. Só houve um erro no projeto: não se imaginou o carreamento de areia do mar para o canal, o que provoca sua constante obstrução.


Cariocas adoram uma obra.  Além das autoridades, vemos os trabalhadores propriamente ditos e vários espectadores.


Originalmente a Lagoa era uma lagoa mesmo ou laguna? Se tivesse comunicação com o mar, seria uma laguna com água salobra; se não tivesse, seria uma lagoa de água doce. Em geomorfologia lagoa e laguna são conceitos diferentes. Nos dias atuais, tecnicamente a nossa lagoa é uma laguna, já que possui água salobra e se comunica com o mar através de canais. Nos mapas antigos não vejo comunicação da lagoa com o mar, daí a dúvida. As pessoas normalmente confundem os dois conceitos; a Lagoa de Araruama também é uma laguna. A dos Patos também.
Segundo o Decourt a Lagoa passava a maior parte do tempo com a água com pouca quantidade de sal, principalmente no verão, época de mar calmo e muita chuva, que aumentavam consideravelmente a vazão das bacias, principalmente dos Macacos. Mas no inverno a situação se invertia, as ressacas reabriam a comunicação do mar com a lagoa e a vazão dos rios diminuía muito. Saturnino de Brito, com sua obra saneadora regularizou o regime do inverno para o ano todo, com os canais e as comportas mantendo a lagoa sempre com um teor de sal maior. Assim se diminuía o lodo, se evitava os mosquitos e também a mortandade dos peixes, o que acontecia sempre no verão desde os primórdios da cidade.


Segundo o livro lançado sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas, trata-se de uma laguna. No "Plano da Lagoa Rodrigo de Freitas", de Carlos José de Reis e Gama, Tenente-Coronel Coni e Capitão Marques Augusto, de 1809, vê-se com clareza o cordão arenoso, ainda estreito e sem aterros, que interrompeu as trocas entre águas do mar e da laguna. Continua o texto do livro: À laguna aos pés do Corcovado, tendo em sua retaguarda o Maciço da Tijuca exercendo função estrutural, ela também foi sendo fechada à medida que a ação geológica do mar construía uma restinga frontal apoiada nas pontas do Arpoador e do Vidigal. Inicialmente, o extenso cordão arenoso que hoje tem as denominações Arpoador, Ipanema e Leblon, era apenas interrompido quando, submetido à força das marés, via romper uma barra que, uma vez aberta, deixava penetrar o mar no interior da laguna, renovando suas águas. A natureza, no entanto, seguia seu curso. Os rios desciam as encostas do maciço e continuavam despejando sedimentos, argilas, seixos e blocos de rocha nas margens e nos fundos da laguna. As ondas prosseguiam na consolidação do cordão de areia, até que chegou um momento em que a ligação com o mar foi finalmente interrompida.


Esta foto da comporta mostra, bem à esquerda, o letreiro do Posto Esso do Jardim do Alá, o famoso "Postinho".


Vemos nesta foto de 1963, do Arquivo Nacional, o canal junto ao mar cheio de areia. Desde sempre é preciso haver dragas de plantão para retirada, quase que diária, da areia que obstrui o canal. Deve ser um negócio rendoso para o dono da draga.

Há alguns anos o departamento de estudos do mar da COPPE fez um projeto para acabar com este problema. Se não me engano, criaria um enrocamento avançando 200 metros mar adentro, na altura do canal. O objetivo era evitar o deslocamento da areia que entope o canal e também a perda de areia no Arpoador durante determinada época do ano. Não foi para frente.


Obras de alargamento do canal do Jardim de Alá no final dos anos 60.

A verdade é que a Lagoa está sendo mais bem cuidada desde há alguns anos. Não temos tido aquelas mortandades de peixes que foram tão frequentes. E, como já foi dito há poucos dias, a fauna e a flora estão exuberantes.



23 comentários:

  1. A primeira foto me deixou em dúvida. Se não existia o canal e a comunicação entre o mar e a lagoa dependia da maré isto significava que as pistas para os automóveis ficavam alagadas na maré cheia?

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    1. Foi construida uma ponte por cima do canal, ligando Ipanema a Leblon, e depois foi construida a pista com altura suficiente.

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  2. Será que as quadras de tênis do Country que aparecem na foto também alagavam?
    Aqueles pontos de embarque para as gôndolas previstas para o jardim de Alá foram alguma vez utilizadas?

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  3. A postagem de hoje é marcante, uma aula de geografia e movimentos aquáticos, muito bem documentada e apresentada didaticamente; entretanto, obiscoitomolhado não seria quem é se não descobrisse na foto do jogo de bola dentro do canal, um Jaguar Mark V, de 1949, sem as saias traseiras, desfilando na orla em plenos anos 60, como comprovam o Dauphine e a Rural-Willys. Um Chevrolet 51 garante que não chegamos aos anos 70. Tem um Fusca (pouco), uma Kombi até 62 (com a janela de esquina adaptada) e o carro atrás do grab da draga está implicando com a minha curiosidade: juro que é um Jowett Javelin, mas pode ser qualquer outro...
    Já que o assunto é chute e não tenho bons motivos para celebrar no futebol, parece um Mercedes-Benz entre o Javelin e a comporta.

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  4. Em verdade é uma "Laguna". Pelo que se vê e se sabe, a comunicação com o mar era natural. Eu tenho uma foto aérea colorida de 1960 cujo fotógrafo estava exatamente sobre o canal do Jardim de Alah, e nela fica bem claro que se trata de uma Laguna. A foto mostra que apenas por uma ponte pouco além do Caiçaras podia-se atingir a Borges de Medeiros. A foto mostra também a favela da Ilha das dragas. Entre Ipanema e Leblon apenas duas pontes, uma na Prudente de Morais e outra na Visconde de Pirajá, comunicavam os dois lados.

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  5. Ótimo post. Mas se as águas da bacia da "Floresta da Tijuca" (rios Cabeça e dos Macacos) não vão para a lagoa, sairiam para o mar pela Visconde de Albuquerque?
    Vou mandar recortes de jornal do fim do sec. 19 reclamando da insalubridade e fedor da Lagoa

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  6. Bom dia, Dr. D'.

    Uma verdadeira aula sobre o canal. Sempre foi local de passagem para mim.

    Ficarei acompanhando os comentários.

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  7. Salvo engano, com as obras do metrô, foi aberto mais um acesso entre os dois lados do canal.

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    1. Sim, ligando a Humberto de Campos com a Redentor.

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  8. A lupa de obiscoitomolhado é um espanto.

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  9. Bom dia Saudosistas. Não sei se este problema já foi resolvido, porém até poucos anos atrás o maior problema dos dias de hoje são os despejos de esgoto clandestinos na rede de águas pluviais, são sei se chegou a ser resolvido este problema. Na época que o Eike Batista era rico, ele havia prometido fazer uma obra para resolver este problema. Alguém sabe como ficou esta história?

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    1. Você tem dúvida? Com a Cruzada São Sebastião e as favelas da Praia do Pinto, da Catacumba, e da Ilha das Dragas, por onde e de que forma aqueles dejetos eram eliminados? As favelas foram erradicadas há mais de 50 anos, e quanto tempo a Natureza leva para reconstituir o integralmente o meio ambiente?

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    2. Pelo o que eu saiba os esgotos clandestinos não eram (e não são) originados só pelas favelas. Aliás, ligações clandestinas não foram exterminadas por completo e existem até hoje.

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    3. Da mesma forma que muito "gato" de luz e água está fora das favelas, em endereços ditos "nobres". Daí para lançamento ilegal de esgoto é um pulo.

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  10. Fiquei confuso com a foto 8. Toda aquela estrutura em concreto, incluindo a edificação, foram demolidos? Na foto parece que o canal seria paralelo à praia, não faz sentido...

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  11. Esta estrutura da foto 8 foi demolida em uma das reformas.

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  12. Boa tarde.
    Se me aparecesse de repente uma máquina do tempo e eu pudesse escolher aonde e quando ir primeiro, não tenho muita dúvida: Rio de Janeiro, algum ano antes da chegada dos portugueses.
    A beleza do local onde foi sendo construída a nossa cidade, ainda intocado com suas praias, lagoas e montanhas justificaria plenamente a escolha.

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  13. Os comentários das 15:35 e das 16:25 (como sempre) fazendo crer que "a elite é a responsável pela poluição, pelos gatos, etc," fingindo ignorar que o Rio de Janeiro é uma enorme favela com direito a todo o atraso e todas as consequências que dele advém. Embora uma ínfima parcela de moradores de áreas consideradas nobres pratique furto de energia e de água, a verdade é que as favelas são os principais focos de poluição, de furto de energia, e da degradação "quase irreversível" do Rio de Janeiro . Eles tem o hábito de dentro de suas "bolhas" nos sertões de Jacarepaguá ou da Piraquara, viver em um universo paralelo no qual todos nele são "camaradas" e todos os outros que estão fora dele são culpados de divertirem de seus rasos conceitos".

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    1. A questão não é esta, Joel. Você tergiversou um assunto, que você mesmo levantou, para na réplica aproveitar e destilar os seus tradicionais preconceitos, mais ainda do que você havia exposto no texto original. Não querendo delongar, até porque não vale a pena tentar qualquer dialética com você, digo que eu não preciso me esforçar muito para que todos saibam e entendam os seus pontos de vista, expostos exaustivamente aqui, claramente fascistas.
      O que você colocou no texto original dá a entender que o c*c* do pobre favelado é mais danoso ao meio ambiente que o dos moradores tradicionais. Eu acho que ainda sei fazer interpretação de texto.
      Nessa, meu camarada, você se superou...

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. O comentário de 18:49 (como sempre) é autoexplicativo e tem a profundidade de um pires.

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    4. No comentário das 22:16 você insiste em dizer que sou fascista e preconceituoso usando os mesmos argumentos do bom comunista que é. Não admira que tenha pena "do pobre favelado", pois acha que eles não são responsáveis pela degradação dao Rio de Janeiro. Você certamente não sai à rua para avaliar o grau de destruição da cidade. Aí pertinho da sua casa estações da Supervia foram engolidas pelas favelas e lá seus "prepostos" trataram de instalar "bocas de fumo". A Supervia entregou a concessão e não quer mais explorar o transporte ferroviário em razão de fatos como esse, além dos furtos e depredações de seu patrimônio. Diversas empresas de telefonia estão prestes a fazer o mesmo em razão dos prejuízos sofridos em áreas de favelas. Na região da CDD, Gardênia Azul, Pechincha, Praça Seca, e Curicica, a destruição é um fato. Vá até Rio das Pedras e veja o "grande charco" que é aquela região. E quem são os responsáveis por tudo isso? E você acha que por não concordar com condutas desse tipo e externa-las sou "fascista e preconceituoso". Para o "comunista padrão" quanto mais favelas e miséria melhor, e aí de quem critica-las! Para estes eu digo o que dizia o saudoso Wagner Montes: "Tá defendendo? Leva pra tua casa e vá morar com ele(ou ela)".

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