Maximiliano Zierer, eventual colaborador do “Saudades do Rio”, é um dos maiores pesquisadores sobre a Av. Atlântica. Com expressa autorização dele vamos reproduzir algumas de suas pesquisas por aqui.
A casa de pedra da Av.
Atlântica nº 2692, perto, da Rua Santa Clara, em foto de 1958 (esta foi a
última casa residencial da orla, demolida em 2013) pertencia a Zilda Azambuja
Canavarro Pereira, que ali morou desde 1917, entre prataria, ourivesaria,
tapeçaria, objetos em marfim e tantas outras lindas peças e obras de arte.
Inclusive obras únicas, como uma autêntica escultura criselefantina em bronze
patinado de Demetre Chiparus, além da tela “O Voto de Heloisa”, do pintor Pedro
Americo e um par de poltronas no estilo Luis XV, datado do século 19, que
pertenceu à coleção pessoal de Elizabeth Taylor.
Madame Canavarro - como a
conheciam - nasceu no dia 2 de julho de 1911 e os que com ela conviveram, dela
diziam que sempre teve um coração imenso! Linda, inteligente, poderosa, digna e
uma das últimas amas da sociedade carioca.
Zilda, que de solteira
era Azambuja Lowndes, famílias cariocas tradicionalíssimas, vivia cercada de
empregados leais e era sempre visitada por vários sobrinhos seus herdeiros, que
cuidavam dela. Foi casada com Olavo Canavarro Pereira, falecido em 1968.
Muito generosa com os
empregados, que a cercavam de carinho, Zilda recebia todas as quartas-feiras
para almoço os sobrinhos e os parentes. Com problemas de garganta, apesar de já
não mais falar, Zilda caminhava com agilidade, sem mesmo precisar de qualquer
ajuda. À última grande festa que compareceu - bodas dos Lowndes, seus primos,
no Country Club - Zilda foi calçando salto alto, então, aos 99 anos!...
Segundo consta na vizinhança, Zilda deixou
todos os bons empregados garantidos em seu testamento.
Zilda morreu em maio de 2012, aos 101 anos.
Tramitou no Conselho
Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural um processo de consulta sobre a
demolição da casa de pedra. Embora a construção não fosse tombada, o caso
precisou passar pelo conselho porque é o que determina a lei para todos os
imóveis da cidade erguidos antes de 1938. Infelizmente a demolição foi
autorizada e, mais uma vez, a história da cidade virou pó. A casa foi
rapidamente demolida em apenas 3 dias, em outubro de 2013.
No lugar da casa seria
erguido um hotel de luxo, que ficaria pronto antes das Olimpíadas - Rio 2016.
O comprador, o empresário
Omar Peres, dono do restaurante La Fiorentina, tem como sócio no negócio o dono
da Avianca, German Efromovich.
A propriedade saiu por R$ 32 milhões —
corretores estimam entre R$ 30 milhões e R$ 40 milhões o valor de um imóvel do
gênero na orla do bairro e teria um projeto arquitetônico da iraquiana Zaha
Hadid, que incluiria na entrada uma parede com pedras da casa, que receberia,
do designer Aroeira, imagens de grandes nomes do Rio. A construção teria 12
andares e cerca de cem apartamentos.
O hotel teria o
diferencial, além da vista (é claro!) dos mimos aos clientes, como mordomo
bilíngue exclusivo — que pode fazer compras e arrumar o armário, por exemplo —,
carro para buscar e levar ao aeroporto, bebidas como bons vinhos e uísque na
diária e um spa no terraço.
O que foi projetado pode
ser visto em http://veja.abril.com.br/…/conheca-os-bastidores-do-hotel-…/
Mas, atualmente, o prédio
que foi erguido é diferente do projetado. O empreendimento chama-se “Atlantico Bait”, com
plantas flexíveis de 1 a 4 quartos.
Nesta foto o Zierer nos
dá uma aula sobre Copacabana dos anos 1920, mostrando o quarteirão em que seria
construída a casa de pedra da foto anterior.
Nesta foto aérea vemos o
trecho da Av. Atlântica entre as ruas Santa Clara (direita) e Constante Ramos
(esquerda), sendo que as esquinas de ambas as ruas estão de fora do campo da
foto.
Na orla, no lado direito
da foto, podemos constatar que uma parte do calçadão e da pista da Av.
Atlântica foram destruídos pela forte ressaca do ano de 1921. Este era um
problema recorrente, e que só foi resolvido décadas mais tarde, através da
duplicação da Av. Atlântica e do alargamento da faixa de areia da praia com o afastamento
do mar, obra iniciada em 1969 e concluída em 1971. Com esta obra a Av.
Atlântica e o calçadão da orla tomaram o aspecto que conhecemos nos dias
atuais.
Vou destacar as quatro
principais construções da orla que vemos neste trecho, da direita para a
esquerda:
1- O hotel Atlântico, um
casarão em estilo eclético de três pavimentos ao lado de um lote vazio no canto
direito. Neste lote vazio seria posteriormente construída a famosa "casa
de pedras" da Santa Clara, que foi a última casa residencial demolida na
Av. Atlântica (no ano de 2013), mas que ainda não existia em 1921. Ela só foi
construída no início dos anos 1930.
2- O hotel Londres, um
prédio branco de 4 andares e que foi o prédio mais alto da Av. Atlântica até a
construção do hotel Copacabana Palace, em 1923. O hotel Londres foi o primeiro
edifício construído na orla.
3- Após o hotel Londres e
seu vizinho (separados por um terreno vazio pertencente ao hotel), temos o
magnífico palacete do Barão e médico Jayme Smith de Vasconcelos, conhecido como
“máquina de escrever”, projeto genial do arquiteto italiano Antônio Virzi, e
provavelmente o casarão mais espetacular de todo o Rio de Janeiro à época!
4- O último casarão
visível na orla, no lado esquerdo da foto, pertencia ao abastado casal Odete e
Júlio Monteiro. Era um grande casarão de três pavimentos cujo terreno ia até a
rua Domingos Ferreira, e possuía uma quadra de tênis nos fundos.
Foto aérea do tenente
aviador Jorge Kfuri, circa 1921, pertencente ao acervo da Diretoria do
Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha.
O Casarão de Pedra foi um símbolo de um tempo em que a vida corria de uma forma mais serena e coerente com valores éticos, morais, e sociais, bem mais sólidos do que os vigentes atualmente. Um imóvel como esse atualmente seria uma "dor de cabeça" eterna para seus proprietários. Com uma manutenção de custo elevado que envolvia um grande número de funcionários, certamente hoje em teria um acréscimo com a contratação de seguranças armados e um sofisticado sistema de monitoramento eletrônico.
ResponderExcluirExcelente pesquisa do Zierer.
ResponderExcluirMuitas dessas belas casas duraram muito menos tempo que esta, que quase completou cem anos. Algumas não chegaram nem a quarenta anos.
Havia uma outra perto desta, a casa da Veplan, que também durou bastante.
Até os anos 50 deve ter sido muito bom morar numa casa dessas. Depois a muralha de edifícios tomou conta da paisagem.
Tem razão o Joel quanto à segurança. A maioria de nós vive hoje atrás de grades. Isto é uma coisa que me impressiona muito.
Existe uma outra grade muito mais profunda e insidiosa - o celular - sabe o que fazemos e aonde vamos...minuto à minuto.
ExcluirQue postagem fantástica!!!
ResponderExcluirResidir em uma casa no Rio de Janeiro por mais simples que ela seja se tornou bastante arriscado, e ninguém em sã consciência discorda desse posicionamento. Mas é claro há exceções, seja por opção ou quando se trata de locais "periféricos" e/ou controlados por grupos paramilitares (milícia) ou mesmo traficantes de drogas.
ResponderExcluirSurpreendeu-me o valor da venda deste imóvel; achava que valia mais.
ResponderExcluirBom dia, Dr. D'.
ResponderExcluirSempre temos aulas sobre Copacabana com o auxílio do Zierer (olha a intimidade forçada), aqui e no grupo do FB que infelizmente estou deixando largado nos últimos tempos.
Será que o preço de venda (oficial) mais baixo não escondeu alguma irregularidade "por fora"?
Já são praticamente dez anos da demolição do imóvel. O mercado imobiliário estava em polvorosa nessa época.
Os casarões da Avenida Atlântica foram demolidos "na hora certa". A população empobreceu de forma assustadora e o seu poder aquisitivo está aquém do minimo desejado. Um amigo da família está indo embora para Portugal e em razão disso tentou vender o sítio que tem em Guapimirim. A propriedade é cinematográfica e tem oito quartos, piscina, campo de futebol, cachoeira, casas para hóspedes, caseiro, etc. Inicialmente pediu Hum Milhão e trezentos mil Reais. Não conseguiu e foi reduzindo a pedida, até que mais de um ano depois acabou fechando o negócio por trezentos mil reais. Vários interessados desistiram do negócio não só pelo preço pedido, mas principalmente pela falta de segurança. Como bem disse Monteiro Lobato, "Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil". Só que a "saúva" dos dias atuais é muito maior e mais perigosa do que se pode imaginar.
ResponderExcluirNo último feriadão de carnaval eu e a família ficamos numa casa em Guapimirim e digo que fiquei surpreso com o lugar. A relação custo x benefício é bem interessante; tirando os onipresentes mosquitos é uma boa opção como casa de veraneio: é relativamente próximo, tem bom acesso e o local melhorou de forma impressionante depois que se emancipou de Magé e se tornou um município.
ExcluirBom dia Saudosistas. Podemos dizer que se trata de uma biografia tanto do imóvel, quanto da Sra. Zilda. Copacabana assim como outros bairros Cariocas foram se degradando com o passar dos anos, assim como toda a cidade, vários motivos levaram a esta degradação, mas todos eles sem exceção foram devidos aos nossos políticos e aos empresários instalados na cidade.
ResponderExcluirBom Dia! Volto mais tarde para ler os comentários.
ResponderExcluirBom dia.
ResponderExcluirA Copacabana que gosto de lembrar é a que conheci enquanto lá morei, entre 1962 e 1986.
Para mim, principalmente até meados da década de 70, não existia então outro bairro em que preferisse morar.
Era meu lugar, a praia meu quintal, muitos amigos eram vizinhos de bairro, tinha tudo: segurança, ótimo comércio, cinemas, teatros, restaurantes, consultórios médicos e odontológicos, uma profusão de agências bancárias, bons colégios, tudo à mão, pertinho.
Atualmente, só vou por necessidade, nada mais me atrai ao bairro, bastante inseguro e degradado, como tantos outros bairros da outrora Cidade Maravilhosa.
É uma incongruência morar numa casa tão grande que poderia acomodar várias famílias. É preciso repensar prioridades para que pessoas não fiquem ao desabrigo. Copacabana está repleta necessitados que vivem nas calçadas sem ter o que comer. É justo que sejam tomadas medidas para diminuir essa desigualdade e repartir tantas riquezas que estão nas mãos de poucos.
ResponderExcluirSe tem tanta pena assim dessas pessoas, leva algumas para sua casa e cuida delas.
ExcluirO mais curioso em comentários desse tipo é que essas pessoas gostam de dividir o patrimônio alheio mas não o seu. Além disso não mostram a cara.
ExcluirSe pudesse ter imaginado que haveria este tipo de resgate do Rio antigo e que eu gostaria do assunto teria perguntado mais a meus avós sobre como era o dia a dia no começo do século XX. Eles moraram no Flamengo e em Botafogo mas certamente frequentaram Copacabana. Quantas boas histórias não teriam?
ResponderExcluirPerto desta casa acho que havia outra (ou era a mesma?) também de pedra, que teve a imobiliária Veplan funcionando durante algum tempo.
ResponderExcluirSim, teve. Haverá post sobre a "Casa da Veplan" em breve.
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